1975. Ano ruim
aquele.
Enquanto tanques e coturnos ganhavam mais e mais às ruas do país, Simplício
Honorino dos Santos seguia tocando feliz o seu trompete. O mundo que se
explodisse. Já sabia tocar de tudo um pouco, do jaz ao soul, blues, rumba, merengue,
a comancheira... As bochechas dele se enchiam
como as do incrível Louis; as veias dilatavam-se em seu rosto duro enquanto os
olhos esbugalhavam-se parecendo assustadoramente saltar das órbitas. Contudo, a
visão não era de dor ou de sofrimento algum, mas de infinita alegria e
satisfação plena, pois que a alma daquele anão estava ali, em cada sopro seu. Dir-se-ia
um Charles Parker ou um Dizzy Gillespie à brasileira. Mas ele era o Simplício Honorino
dos Santos. Fazia questão que o tratassem assim. O público ia ao delírio. Fama.
Dinheiro. Nada disso o comovia. Ele só queria tocar seu trompete sossegado e seguir
dando orgulho aos pais. Mas aí um dia, sem querer, ele ouviu em uma barbearia,
o hino da China e quis aprender a tocar. A infeliz idéia quase levou o pai ao
infarto do miocárdio. O pai que ostentava orgulhosamente um imenso retrato do
General Medici na sala de casa, proibiu-lhe sumariamente o filho de tocar o
hino da China. Só faltava essa, o Hino da
China. Mas teimoso como era, o homúnculo batia com teimosia o pezinho outra
vez, querendo porque querendo tocar o hino da China. E ele assim o fez, aprendendo
às escondidas. Se porventura alguém agora o ofendesse, chamando-o de trompetista
anão, cambota ou de cachalote, e também obrigasse a vestir roupas de palhaço, ele
tocaria o hino da China. Todos iriam ver só uma coisa. Nunca mais iriam rir
dele. Ele não era um palhaço. E foi assim, que no Programa do Bolinha, após
ouvir o apresentador chamá-lo de anão trompetista, ele tocou, pela primeira
vez, em rede nacional, o Hino da China. Houve um silêncio sepulcral. O medo
tomou conta de toda aquela gente petrificada que tentava a todo custo
desviar-se de foices e barafundas. O pai caíra infartado na platéia. O
apresentador pediu os comerciais. No dia seguinte, como era de se esperar, o
programa saíra do ar, e Simplício, obviamente, nunca mais receberia convites
pra tocar na televisão ou em rádio alguma. No velório do pai, ele tocou umas
notas tristes que eram como flocos brilhantes de neve despencando docemente do Aconcágua.
O da mãe, ele não me contou com detalhes, pois que engasgou-se de emoção, mas
suponho ter sido algo de espedaçar o coração.
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