sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O ATAQUE

Olha, eu não sei o que dizer. Tampouco explicar a origem daqueles homenzinhos. Mas o fato é que eles surgiram de algum lugar. E vieram furiosos e aos montes...

***

Florêncio Jardim preparava-se para morder um belo pedaço de frango frito que sua esposa carinhosamente havia deixado pronta antes de partir quando um homenzinho passou correndo por entre suas pernas atravessando o vão da sala. Caralho! Florêncio Jardim largou o que fazia e inclinou-se para olhar melhor. O homenzinho ficou ali parado, no canto da sala. Florêncio Jardim foi até lá de gatinhas para olhar com detalhes. O homenzinho tinha aproximadamente 12 centímetros de altura, isso mesmo, e, acuado, agitava bastante os bracinhos.  Como explicar isso agora? Florêncio Jardim pensou, sorrindo. Aproximou-se bem da espécimen quando esta soltou-lhe uma catarrada  segura na imensa cara do gigante e correu veloz para o outro lado da sala. Ora veja, nunca alguém havia lhe cuspido na cara daquele jeito, nem mesmo o corretor de imóveis ou o vidraceiro da esquina, pensou bastante irritado, Florêncio Jardim. Partira na captura dele. Só podia estar em algum lugar daquela casa. Viu quando a sombra apequenada disparou pra cozinha e meteu-se entre as panelas. Furioso, Florêncio foi botando todas elas ao chão até se deparar de novo com a criaturinha atrás do saleiro. Aproximou o seu nariz grande do homenzinho e perguntou:
“Quem é você afinal?”
“Que importância tem isso?” É verdade, o homenzinho tinha razão. Ele dessa vez avançou no gigante mordendo-lhe em cheio o nariz, partindo novamente em disparada. Aquilo não podia estar acontecendo com ele.  Nunca fora tão humilhado assim. Desesperado saiu à caça do homenzinho outra vez. Mas nem um sinal dele. Atordoado, afundou-se no sofá. Gotas de suor pingavam-lhe do Pomo de Adão. O frango esfriava no prato. Àquela altura, decerto, havia perdido o sabor. Como a vida e todas as coisas ao redor. Tudo enfim, parecia encerrado ali (tratando-se obviamente de mais uma alucinação sua) quando, aterrorizado, vira sair debaixo da porta do quarto, centenas de homenzinhos e mulherzinhas. Só pode ser uma foda de sonho, pensou novamente Florêncio Jardim quase não acreditando mesmo no que via.  Mas o que os seus olhos grandes testemunhavam era uma realidade palpável. Seus dias estavam contados. Os homenzinhos avançavam contra ele cantando uma espécie de hino. Atirou alguns apetrechos que tinha ao seu alcance sobre a horda. Alguns corriam desesperados e com medo, já os outros avançavam obstinados contra ele. Apareciam de todos os cômodos da casa. Um verdadeiro exército implacável de seres bem pequenos e desprezíveis.  E estavam revoltados. Furiosos com ele. Mas se ele capturasse ao menos alguns deles guardaria em uma caixa de sapatos e os forçaria a lutar com as suas caranguejeiras de patas peludas que havia no quintal de sua casa, impondo assim, a sua força e importância impoluta sobre aqueles seres diminutos e de alma bem pequena. Cogitou. Mas ele não conseguia pegá-los. Eram muitos e rápidos demais. E como se não bastasse não paravam de proliferar surgindo em centenas de milhares, vindos do ralo da pia, detrás dos retratos, descendo aos montes da parede e do espartilho da esposa. Todos gritavam, de longe, avancem homens! Eram centenas, milhares de homenzinhos diminutos e ferozes que se reproduziam como uma praga de gafanhotos vorazes. O mais bravo usava um jaleco verde e óculos com aros de metal. No fundo as criaturinhas tinham era medo de Florêncio, porque na verdade, custavam a avançar sobre ele, posto que o gigante era um homem furioso e sofria de terríveis enxaquecas.  A situação, pois, se agravava. Florêncio estava agora acuado. Espremido no canto da sala. Cercado de homenzinhos por todos os lados. Não sabia o que fazer. A casa encheu-se daqueles sereszinhos impertinentes que agora cantavam hinos de vitórias, tendo em vista, a eminência derrota de Florêncio. E não havendo mais escolha, portanto, Florêncio desistiu de lutar. Mal se podia divisar agora o seu corpo, coberto que estava por uma massa compacta e cinzenta de humúnculos que lhe mordiam vorazmente os dedos das mãos, dançavam na ponta de seu nariz - fazendo gestos obscenos - e ainda por cima entoando uma espécie de cântico que dizia, “Passarás em silencio por meu amor/ e fingirei um sorriso/ um leve e doce e sorriso.” Decerto que a canção era irônica e que não havia nenhum sentido. Não obstante, eles cantavam felizes da vida, certos da grande vitória sobre o gigante. Uma lagrimazinha ofendida brotava agora dos olhos resignados dele. Somente com a cabeça de fora, Florêncio Jardim ainda avistou o seu cachimbo na parte mais alta do armário de vime da sala. Ao menos uma última cachimbada antes dele ser tragado de vez, pensou.  Mas já era tarde. A morte é mesmo incompreensível. Nada de foices ou túnicas negras. Viria em forma de homenzinhos implacáveis. Eles agora penetravam-lhe todos os orifícios, cu, nariz, olhos, ouvidos, boca; a enorme boca que ele teimava inutilmente em mantê-la fechada. Os homenzinhos agora começariam a explorar todo o interior de seu corpo.   


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