Olha, eu não sei
o que dizer. Tampouco explicar a origem daqueles homenzinhos. Mas o fato é que
eles surgiram de algum lugar. E vieram furiosos e aos montes...
***
Florêncio Jardim
preparava-se para morder um belo pedaço de frango frito que sua esposa carinhosamente
havia deixado pronta antes de partir quando um homenzinho passou correndo por
entre suas pernas atravessando o vão da sala. Caralho! Florêncio Jardim largou
o que fazia e inclinou-se para olhar melhor. O homenzinho ficou ali parado, no
canto da sala. Florêncio Jardim foi até lá de gatinhas para olhar com detalhes.
O homenzinho tinha aproximadamente 12 centímetros de altura, isso mesmo, e, acuado, agitava
bastante os bracinhos. Como explicar
isso agora? Florêncio Jardim pensou, sorrindo. Aproximou-se bem da espécimen
quando esta soltou-lhe uma catarrada segura na imensa cara do gigante e correu veloz
para o outro lado da sala. Ora veja, nunca alguém havia lhe cuspido na cara
daquele jeito, nem mesmo o corretor de imóveis ou o vidraceiro da esquina, pensou
bastante irritado, Florêncio Jardim. Partira na captura dele. Só podia estar em
algum lugar daquela casa. Viu quando a sombra apequenada disparou pra cozinha e
meteu-se entre as panelas. Furioso, Florêncio foi botando todas elas ao chão até
se deparar de novo com a criaturinha atrás do saleiro. Aproximou o seu nariz
grande do homenzinho e perguntou:
“Quem é você
afinal?”
“Que importância
tem isso?” É verdade, o homenzinho tinha razão. Ele dessa vez avançou no
gigante mordendo-lhe em cheio o nariz, partindo novamente em disparada. Aquilo
não podia estar acontecendo com ele. Nunca
fora tão humilhado assim. Desesperado saiu à caça do homenzinho outra vez. Mas
nem um sinal dele. Atordoado, afundou-se no sofá. Gotas de suor pingavam-lhe do Pomo de Adão. O frango esfriava no prato. Àquela altura, decerto, havia perdido
o sabor. Como a vida e todas as coisas ao redor. Tudo enfim, parecia encerrado
ali (tratando-se obviamente de mais uma alucinação sua) quando, aterrorizado,
vira sair debaixo da porta do quarto, centenas de homenzinhos e mulherzinhas.
Só pode ser uma foda de sonho, pensou novamente Florêncio Jardim quase não
acreditando mesmo no que via. Mas o que os
seus olhos grandes testemunhavam era uma realidade palpável. Seus dias estavam
contados. Os homenzinhos avançavam contra ele cantando uma espécie de hino. Atirou
alguns apetrechos que tinha ao seu alcance sobre a horda. Alguns corriam
desesperados e com medo, já os outros avançavam obstinados contra ele.
Apareciam de todos os cômodos da casa. Um verdadeiro exército implacável de
seres bem pequenos e desprezíveis. E
estavam revoltados. Furiosos com ele. Mas se ele capturasse ao menos alguns
deles guardaria em uma caixa de sapatos e os forçaria a lutar com as suas caranguejeiras
de patas peludas que havia no quintal de sua casa, impondo assim, a sua força e
importância impoluta sobre aqueles seres diminutos e de alma bem pequena. Cogitou.
Mas ele não conseguia pegá-los. Eram muitos e rápidos demais. E como se não
bastasse não paravam de proliferar surgindo em centenas de milhares, vindos do
ralo da pia, detrás dos retratos, descendo aos montes da parede e do espartilho
da esposa. Todos gritavam, de longe, avancem
homens! Eram centenas, milhares de homenzinhos diminutos e ferozes que se
reproduziam como uma praga de gafanhotos vorazes. O mais bravo usava um jaleco
verde e óculos com aros de metal. No fundo as criaturinhas tinham era medo de
Florêncio, porque na verdade, custavam a avançar sobre ele, posto que o gigante
era um homem furioso e sofria de terríveis enxaquecas. A situação, pois, se agravava. Florêncio
estava agora acuado. Espremido no canto da sala. Cercado de homenzinhos por
todos os lados. Não sabia o que fazer. A casa encheu-se daqueles sereszinhos impertinentes
que agora cantavam hinos de vitórias, tendo em vista, a eminência derrota de Florêncio.
E não havendo mais escolha, portanto, Florêncio desistiu de lutar. Mal se podia
divisar agora o seu corpo, coberto que estava por uma massa compacta e cinzenta
de humúnculos que lhe mordiam vorazmente os dedos das mãos, dançavam na ponta
de seu nariz - fazendo gestos obscenos - e ainda por cima entoando uma espécie
de cântico que dizia, “Passarás em
silencio por meu amor/ e fingirei um sorriso/ um leve e doce e sorriso.” Decerto
que a canção era irônica e que não havia nenhum sentido. Não obstante, eles cantavam felizes da vida, certos
da grande vitória sobre o gigante. Uma lagrimazinha ofendida brotava agora dos
olhos resignados dele. Somente com a cabeça de fora, Florêncio Jardim ainda
avistou o seu cachimbo na parte mais alta do armário de vime da sala. Ao menos
uma última cachimbada antes dele ser tragado de vez, pensou. Mas já era tarde. A morte é mesmo incompreensível.
Nada de foices ou túnicas negras. Viria em forma de homenzinhos implacáveis.
Eles agora penetravam-lhe todos os orifícios, cu, nariz, olhos, ouvidos, boca; a
enorme boca que ele teimava inutilmente em mantê-la fechada. Os homenzinhos agora
começariam a explorar todo o interior de seu corpo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário