quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O RETORNO DA MOSCA DE OLHOS VERMELHOS


    A MOSCA DE OLHOS VERMELHOS voltou a freqüentar minha casa. Como não posso alojá-lo dentro, têm-se virado com uma rede na varanda, ou mesmo dormido no banheiro de fora sobre um colchonete velho. Tenho lá minhas razões para não acolhê-lo dentro; deixá-lo dormir no sofá. E ademais, minha esposa não aprovaria, pois ela, assim como eu, tem lá suas razões.
   A Mosca nos assegurou que é por pouco tempo, até conseguir alugar um quarto. Voltou a trabalhar como Chapeiro no Bar do Cinco Estrela. Reclama que o dono do estabelecimento lhe paga muito mal pelo trabalho que faz. Além de chapeiro, ele encarrega-se de fazer outros serviços como limpeza e arrumação do Bar. E ainda por cima – ele me diz – tem que aturar os fregueses insuportáveis e mal humorados. A Mosca sempre tem uma história interessante para me contar. Outro dia, enquanto tomávamos café, contou-me sobre um sujeito que lhe pediu que fizesse um sanduíche urgente, no que ele explicou que o pedido teria que ser feito primeiramente ao patrão, e que este o ordenaria a fazer. As coisas funcionavam exatamente assim. Foi bem claro. Um outro sujeito que neste dia estava ao lado deste cliente – e que porventura – já havia certamente bebido todas – gritou-lhe do balcão: “Vá logo fazer a merda deste sanduíche, rapaz!” A Mosca olhou para o sujeito sem muito acreditar naquela descompostura – e olha que o Mosca, apesar de sua finura e estatura baixa, não é de levar desaforo para casa, não, e que portanto, reagiu: “Como é que é? Quem é você para falar desse jeito comigo, seu merda! Vá cuidar da sua vida! Aqui eu só recebo ordens de uma pessoa que é o proprietário desta casa, não de um merda como você que mal conheço.” O sujeito então levantou-se com o propósito de desferir-lhes alguns socos, mas os bebuns o  cercaram e o impediram. A Mosca foi até a cozinha e pegou uma faca de cortar carne e disse-lhe mais algumas coisas: “Pois então venha! Venha agora, seu merda!” A Mosca contou-me que o sujeito valente olhou para a ponta do seu facão que brilhava, e por conta disso, resolveu mudar
de idéia. E o bar voltou a sua normalidade.
No entanto, a Mosca decidiu que não ficaria mais ali, livrando-se do seu avental e da sua toca de cozinheiro. Mas o Cinco - quase chorando – o impediu de ir embora.   E ainda prometeu que aumentaria seu salário de R$ 35, para R$ 40,00.  Acabou convencendo-lhe de ficar. “Cara, não sei por quanto tempo vou aguentar aquilo ali, não, Mário. Ficarei só mais este mês. Tratarei de economizar uma grana e me mandar desta cidade, deste país.”
Terminamos o nosso café. Ele levantou-se e foi olhar discretamente na minha estante de livros. Senti temeroso quando ele folheou alguns deles. Sempre quando ele se aproxima da minha estante de livros, alguns deles desaparecem. Eu tinha que ficar sempre de olho em seus movimentos pela casa. A Mosca é como um ilusionista barato que me engana os olhos e às vezes faz chorar meu coração. Mas neste dia ele devolveu o livro à estante e me disse: “Me deixa ficar só alguns dias morando aí no teu banheiro até arranjar um lugar decente pra ficar. Até eu me equilibrar de novo. Eu sei que essa vida somos nós que escolhemos. Um dia, quem sabe, não acerto viver decentemente.”

Disse-lhe afinal que podia ficar morando lá no banheiro até ele se ajeitar. Agradeceu-me com um leve abraço. Ofereceu-me um peguinha do seu barato. Fumamos na sala, em silêncio. Chegamos até rir de nada olhando a fumaça que subia devagar... Depois, ajudou-me a lavar as xícaras e os pratos de ontem, e recolheu-se ao banheiro.    

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