A MOSCA DE OLHOS VERMELHOS voltou
a freqüentar minha casa. Como não posso alojá-lo dentro, têm-se virado com uma
rede na varanda, ou mesmo dormido no banheiro de fora sobre um colchonete
velho. Tenho lá minhas razões para não acolhê-lo dentro; deixá-lo dormir no
sofá. E ademais, minha esposa não aprovaria, pois ela, assim como eu, tem lá
suas razões.
A Mosca nos assegurou que é por
pouco tempo, até conseguir alugar um quarto. Voltou a trabalhar como Chapeiro no
Bar do Cinco Estrela. Reclama que o dono do estabelecimento lhe paga muito mal
pelo trabalho que faz. Além de chapeiro, ele encarrega-se de fazer outros serviços
como limpeza e arrumação do Bar. E ainda por cima – ele me diz – tem que aturar
os fregueses insuportáveis e mal humorados. A Mosca sempre tem uma história
interessante para me contar. Outro dia, enquanto tomávamos café, contou-me
sobre um sujeito que lhe pediu que fizesse um sanduíche urgente, no que ele
explicou que o pedido teria que ser feito primeiramente ao patrão, e que este o
ordenaria a fazer. As coisas funcionavam exatamente assim. Foi bem claro. Um
outro sujeito que neste dia estava ao lado deste cliente – e que porventura –
já havia certamente bebido todas – gritou-lhe do balcão: “Vá logo fazer a merda
deste sanduíche, rapaz!” A Mosca olhou para o sujeito sem muito acreditar
naquela descompostura – e olha que o Mosca, apesar de sua finura e estatura baixa,
não é de levar desaforo para casa, não, e que portanto, reagiu: “Como é que é?
Quem é você para falar desse jeito comigo, seu merda! Vá cuidar da sua vida!
Aqui eu só recebo ordens de uma pessoa que é o proprietário desta casa, não de
um merda como você que mal conheço.” O sujeito então levantou-se com o
propósito de desferir-lhes alguns socos, mas os bebuns o cercaram e o impediram. A Mosca foi até a
cozinha e pegou uma faca de cortar carne e disse-lhe mais algumas coisas: “Pois
então venha! Venha agora, seu merda!” A Mosca contou-me que o sujeito valente
olhou para a ponta do seu facão que brilhava, e por conta disso, resolveu mudar
de idéia. E o bar voltou a sua normalidade.
No entanto, a Mosca decidiu que
não ficaria mais ali, livrando-se do seu avental e da sua toca de cozinheiro.
Mas o Cinco - quase chorando – o impediu de ir embora. E ainda prometeu que aumentaria seu salário
de R$ 35, para R$ 40,00. Acabou
convencendo-lhe de ficar. “Cara, não sei por quanto tempo vou aguentar aquilo
ali, não, Mário. Ficarei só mais este mês. Tratarei de economizar uma grana e
me mandar desta cidade, deste país.”
Terminamos o nosso café. Ele
levantou-se e foi olhar discretamente na minha estante de livros. Senti
temeroso quando ele folheou alguns deles. Sempre quando ele se aproxima da
minha estante de livros, alguns deles desaparecem. Eu tinha que ficar sempre de
olho em seus movimentos pela casa. A Mosca é como um ilusionista barato que me
engana os olhos e às vezes faz chorar meu coração. Mas neste dia ele devolveu o
livro à estante e me disse: “Me deixa ficar só alguns dias morando aí no teu
banheiro até arranjar um lugar decente pra ficar. Até eu me equilibrar de novo.
Eu sei que essa vida somos nós que escolhemos. Um dia, quem sabe, não acerto
viver decentemente.”
Disse-lhe afinal que podia ficar
morando lá no banheiro até ele se ajeitar. Agradeceu-me com um leve abraço.
Ofereceu-me um peguinha do seu barato. Fumamos na sala, em silêncio. Chegamos
até rir de nada olhando a fumaça que subia devagar... Depois, ajudou-me a lavar
as xícaras e os pratos de ontem, e recolheu-se ao banheiro.
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