Agora ele estava sozinho e duro, ele e o seu trompete mágico. Caminhava a
esmo pelas ruas molhadas da Paulista, longe dos holofotes e dos aplausos do venerado
público. Andava magro, maltrapilho; a alma enferma. Batia de porta em porta mendigando
emprego pelos botequins, boates, igrejas, prostíbulos. Alguns o acolhiam por um tempo. Já outros riam
e fechavam-lhe duramente as portas. Uma noite, embebedado, um praça o reconheceu
nos fundos de um bar. Ele e mais um cabo, conduziram-no até uma delegacia. Lá, o
entregaram aos agentes do DOPS que o levaram a um porão e deram-lhe com o
trompete em sua cabeça chata. Ao abrir dos olhos, Simplício recebera uma luz
forte na cara, que quase o deixara cego para sempre. Fizeram-lhe perguntas
estranhas, do tipo, o porquê dele tocar, o hino da Internacional Comunista. “Da China, porra!” Corrigia, batendo o pezinho. Mas tabefes. Os agentes riam, batiam nele com
o trompete; davam-lhe duras telefonadas, choques nos testículos, aquilo tudo que
os torturadores sabiam fazer como ninguém. No segundo dia, como se não
bastasse, penduraram-lhe no pau de arara, onde recebera mais choques nos
testículos e um novo alcunho: o de Anão Comunista. Ele não entendia porque
faziam toda aquela maldade com ele. Só porque tocava o Hino da China? Ah, se
ele soubesse que lhe custaria tão caro tocar o hino da China; que lhe valeria a
desgraça dos pais como também a sua, enfim, toda aquela judiação sem tamanho,
jamais teria lhe ocorrido a tocar o Hino da China. Ficou ali quase um mês
apanhando e refletindo sobre aquilo. Depois, já cansados de torturá-lo e interrogá-lo,
os agentes decidiram liberá-lo. “Esse aí não faz mal a uma mosca!” Convencera-se
um deles. Implorou para que devolvessem o seu trompete. Sem ele, não valia um
centavo de réis. Vedaram-lhe os olhos, o puseram em um porta-malas de um carro e
o abandonaram em uma estrada deserta qualquer.
“Vai, cabeçudo!” Foi o primeiro e único chute no traseiro. Contudo,
permitiram que ficasse com o trompete. Olhou em volta. O instrumento ali estava.
Ele limpou bem aquilo. Checou o bucal, a campana, a rosca de encaixe, os
pistons, tudo em perfeita ordem. Nem um arranhãozinho sequer. Soprou uma nota
que logo transformara-se em uma linda borboleta. Emocionado, sorriu abraçado ao
instrumento. Depois seguiu andando pela estrada. Não sabia onde estava, apenas
andava, feliz, tocando seu trompete. O sol ardia com todo seu brilho e esplendor.
Girassóis coloridos abriam-se à sua
passagem...
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