quinta-feira, 20 de junho de 2013

A RUIVA - PARTE XII



 O ESTUPRO

Andei toda a Parintins atrás da minha dor. Ela tinha que existir em algum lugar. Talvez provocando o interior dos homens daquela ilha, eu arrancaria de dentro deles a minha dor verdadeira. Não tinha mesmo o que perder. Eu estava sozinho e fodido e não conseguia lembrar onde eu havia conseguido aquela garrafada que me abrira uma pequena cratera na cabeça, e agora o sangue encharcava-me a roupa. Mas eu não sentia dor alguma. Eu apenas seguia cambaleando ensangüentado, alheio em meio a toda aquela horda que dançava o dois pra lá e dois pra cá e ouvindo uma abelha que zumbinizava dentro da minha cabeça. Foi aí então que entrei naquele boteco de homens rudes, já bem distante do centro. Uns caras mal encarados jogavam sinuca, outros bebiam cachaça. Sentei numa das mesas com o meu Deus que me dava sustentação e coragem. A abelha continuava zumbinizando. Ninguém ali se importava com a minha dor porque eu não sentia dor alguma. Mais lá pra frente, a minha presença ensanguentada e os palavrões que eu lançava a esmo no ar, em alto e bom tom, já começava a incomodar o dono do boteco e a clientela toda. Os homens já me olhavam sérios e duros. “A dor é uma mentira!” Disse a eles. O cara da sinuca errou uma tacada. NÃO ERA MAIS UMA ABELHA QUE ZUNIA DENTRO DA MINHA CABEÇA, MAS, VÁRIAS. MINHA CABEÇA ERA UMA COLMÉIA INFERNAL. EU PRECISAVA ME LIVRAR DAQUELAS ABELHINHAS INFERNAIS. Aí comecei a provocar os caras da sinuca. Tirar suas concentrações. Xingá-los:
“Você é um erro porque sente dor!!” Disse a um deles. A bola treze que liquidaria aquela partida, não entrou. O taco de madeira tremia nas mãos de um dos caras. Senti quando um deles atingiu-me certeiro com o taco no meio da testa. Vi tudo girar, emborcado ao chão: o botecozinho fuleiro, o seu forro de zinco; todos aqueles homens rudes. “Mais respeito, filho da puta!” Dois deles me pagaram pelos braços e me arrastaram pros fundos. O velho, dono do boteco, fechou a porta de ferro de levantar. O cara do taco arriou o zíper da calça. Tinha um rosto feio por causa de sua cicatriz de peixeiro. Os outros já não recordo bem. Mas eram fortes e maus. “Vira ele de bruço!” Vamos ver se ele não sente dor. Falou o da cicatriz. Abriram minhas pernas. Pedi a Deus que fossem rápidos. Aí então eu fechei definitivamente os meus olhos com medo de sentir dor. Senti algo me rasgando. Me dilacerando. Depois, só um liquido vermelho e pegajoso descendo quente e calmo por entre as minhas pernas...

***
Acordei em uma cama ordinária de um hospital, com uns tubos enfiados no nariz e nos braços. Acho que me alimentava por ali. Não tinha sido um sonho. Eu podia sentir alma e corpo moralmente aniquilados. Sem honra. Sem nada. E aquelas fortes ferroadas no ânus. Era como uma carne se fechando devagar. Quando recuperei as forças, perguntei àquela enfermeira que checava o tubo de soro:
“Quanto tempo, estou aqui?”
“Há duas semanas, senhor.”
“O que aconteceu?”
“O senhor sofreu um coma alcóolico e fez uma operação de sutura. Mas já está se recuperando.”
“E como vim parar aqui?”
“Uma anãzinha encontrou o senhor jogado em uma calçada e trouxe o senhor para cá.”
“E onde está ela?”
“Está aí fora! Quer que mande entrar?” Não soube o que dizer. Então a vi entrar. O enorme alfinetão atravessado no nariz. Era Valentina. Mordia uma maçã. Sentou numa cadeira e me cumprimentou com os sinais:
“Não dá! Não consigo entender o que diz, Valentina. Mas obrigado por tudo.” Não parava de fazer os sinais com as mãos. Depois, ficou me olhando penalizada. Dava-me sopa na boca. Cuidou de mim enquanto estive naquele hospital me recuperando. Fiquei ainda alguns dias. Quando precisei desocupar o leito, eu não tinha praticamente aonde ir. Nem dinheiro pra voltar á Manaus, nem Deus na mochila, nada! Levaram-me tudo. Foi quando Valentina me chamou pra ficar um tempo com ela.

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