terça-feira, 11 de junho de 2013

A RUIVA - PARTE VII




VIRNA, A RUIVA

Antes deixarmos o banheiro, não resisti e perguntei a Chelsea:
“O que há de errado com o teu noivo, hein? Por que trai ele desse jeito?”
Ela me olhou bem dentro dos meus olhos e disse:
“Marcos tem um pau atrofiado e eu não sou de ferro. Mas não te preocupas. Ele entende.” Me disse, assim, no seco, enquanto se servia de um teco. Passou pra mim. Dei uma cafungada considerada. Depois, ela me beijou de leve a boca, removeu o batom dos meus lábios e sorriu. Ah, Chelsea era linda demais. Aquela sua boca...Voltamos para lá. Ela estava um pouco ofegante. Marcos perguntou baixinho se foi tudo bem. Ela respondeu que sim, acendeu um cigarro e pediu outra cerveja. Fiquei pensando: Como alguém pode ter um pau atrofiado? Como seria um pau atrofiado? Uns dois centímetros? Dois e meio? Três? Deus, como alguém podia seguir vivendo com um pau atrofiado? Uma vida toda atrofiada?”
“Ela está aqui, Mário Augusto. Me deu um sinal. Está em algum lugar. Você está vendo ela? Pois eu não.” Disse o Índio arrancando-me do transe. Virei-me pra checar. Uma moça trajando negro, ruiva, tatuagem de cobra cobrindo-lhe toda a costa, piercing na língua. Não seria difícil de localizá-la naquela Bodega. Então eu a vi. Puta merda! Seria aquela próxima ao balcão da Bodega? A descrição batia exata. Puta merda!
“Já viu? Já viu?”
            “Sim, já a vi. Bem atrás de você, próxima ao balcão.” O Índio virou-se. Virna olhava curiosa para a nossa mesa.
            “Ah, isso é sacanagem! Não, não pode ser ela.” Disse o Índio.
“Não seja desumano. É ela sim.”
“Não, cara, não pode ser ela. Isso é um trote!”
“Jesus, homem! Você vai deixar ela lá plantada esperando para sempre?” O Índio não sabia mesmo que fazer. Eu não queria estar na pele dele. Talvez por isso o encorajava. A vida é mesmo uma comédia. Ela nos ensina a rir das desgraças dos outros também. Ria por dentro de toda aquela situação. Tomei então à dianteira e fui eu mesmo lá. Queria ver como aquilo ia acabar. No fundo, gosto é de ver o circo pegar fogo.
“Oi! Você é a Virna?”
“Eu mesma.” Disse a criaturinha com uma voz rouca e firme.
“Mário Augusto, muito prazer!” Nos apresentamos.
“E Cláudio?” Ele tinha dado o nome de Cláudio.
“Ah, sim, o Cláudio.” Levei a criaturinha até a mesa. Juntou-se a nós. Apresentei-a ao Cláudio. Coloquei-a sentadinha do meu lado e tentei passar-lhe um pouco de segurança, mas não precisava, Virna era bem descolada e logo ela estava bem enturmada e virando os copos com a gente. Virna-viracopos. Agora, vocês hão de convir que, de cara, não dá pra encarar com naturalidade a presença de uma anã. É no mínimo engraçado e curioso, mas tratando-se de Virna, portanto, constatei que não se tratava de uma anã comum. Virna era uma mulherzinha independente, de uma personalidade viril, um olhar valente e um vasto conhecimento místico sobre a Amazônia, como veremos mais abaixo:
“Quê cê faz da vida, bebê?” Perguntei a ela.
“Sou tatuadora. Tenho um estúdio de Tatuagens.Virna Tatoo.” Olhamos a sua imensa serpente reluzente que lhe cobria toda a costa.
“Ai, que linda!!” Disse Chelsea.
“É minha tataravó. Os meus ancestrais eram grandes serpentes que habitavam os rios do baixo amazonas.” Disse Virna. Olhava bem pra ela. Por um momento tive a impressão de ter visto a sua íris dilatar e seus olhos escuros mudarem para verdes quando ela ficava desapontada com a indiferença do Índio. Virna tinha uns olhos de serpente. Seria uma cobra disfarçada de anã? No entanto, bebendo ali há horas na companhia daquela mulherzinha de 1.30 de altura, olhos vivos e redondos - ancas bem cheinhas - declarei-a, portanto, sadia mentalmente e na mais perfeita condição de uma boa trepada. Tentei convencer o Índio que não havia nada de errado com a anã. Mas ele ainda não queria admitir. Decepcionado, reservava-se a poucas palavras. Chelsea e Marcos gostaram muito da anã. Eu também me simpatizara muito com ela. Seguimos bebendo. Vendo a anã, assim, desapontada pela frieza do Índio, tentei confortá-la, perguntando-lhe discretamente:
“Não fica assim, não, bebê. O que você viu nesse índio, afinal?”
“Os peitos dele!
“O que tem?”`
“Ele descende das vacas sagradas. Seus ancestrais foram grandes vacas que no início de toda a formação geológica dessa ilha nutriram de leite sagrado todo esse lugar.”
“E eu? Qual é a minha descendência?” Perguntei a ela. Olhou bem pra mim:
“Você descende dos cavalos com crinas de fogo que saltam através da lua. Vais se tornar um grande cavalo com crinas de fogo.” Fui gostando da brincadeira.
“E nossos amigos ali?” Apontei para Marcos e Chelsea que conversavam distraídos.
“São grandes gaviões que voam por todo o continente e que nunca se separam. Um dos gaviões carrega a mutilação da vida e o outro nunca vai abandoná-lo por isso.”
É, fazia sentido tudo aquilo. Comecei a gostar de verdade da anã.
A certa altura, Marcos perguntou:
“Sabe onde fica o bairro Mocambo, querida?”
“Um pouco longe daqui. Por quê?”
“Vamos filmar um curta com os índios que vivem lá. Quer ir com a gente?”
“Posso sim.”
“Disseram que são perigosos.”Disse Chelsea.
“Eles só precisam recuperar o fogo sagrado que lhes foi roubado.”
“Então está justificado toda a hostilidade.” Disse Marcos com convicção.
“E o que podemos fazer para animar esse cara aqui?” Perguntei apontando para o Índio que ainda encanado, permanecia de braços cruzados como um chefe índio raivoso. Dava para ler toda sua desgraça no balãozinho que pairava sobre sua cabeça:
                           A vida é uma grande bosta que não desce no vaso.”
“Já sei, - falou a anã batendo animada as mãoszinhas - vamos a uma festa de suspensão humana no estúdio de um amigo meu, que tal?”
Não sabia exatamente o que seria aquilo de suspensão humana, mas topei ir. Deixamos a Bodega do Negão as sete em ponto e nos metemos os quatro numa daquelas charretes modernas. Tramamos para que o Índio seguisse na frente com a anã enquanto eu e o nobre casal de aventureiros íamos logo atrás, no encalce. Comecinho de noite agradável. Soprava um vento gelado e gostoso quando margeamos a orla de Parintins sob um céu estalando de estrelas e fogos de artifícios. Chelsea apoiava sua cabeça no ombro de Marcos. Um casal perfeito, não fosse o pênis atrofiado de Marcos. Mas estavam destinados a ficarem juntos. O gavião não abandona o companheiro. Foi o que Virna dissera. Chelsea podia ter quantos homens quisesse na sua alcova para compensar o atraso, mas jamais iria abandonar o seu homem. Se isto não for uma prova de fidelidade absoluta, é o quê? Difícil para alguém como eu que vivia á revelia dos sentimentos humanos - e cujo amor resumia-se somente a uma boa trepada, entender. Ou seja, um completo idiota. Não entendia de amor. Somente de ereções que me vinham á cabeça a toda hora e eu então corria para poder me aliviar. Mas se me perguntares hoje se ainda sou assim, bom, direi sinceramente que melhorei consideravelmente. Acho até que me humanizei um pouco. Mais a despeito, senhores, do casal de gaviões que nunca se separam, eu viria ter uma grande surpresa. Mas, isso é bem mais lá pra frente. Muita calma!
 

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