terça-feira, 14 de maio de 2013

SIRROSE - A ORIGEM



,Um bando de escritores bêbados reunidos em torno de uma mesa nos fundos de um bar escuro e fumacento, enquanto as páginas de uma revista estão sendo impressas ao som de um rock pesadão - A mesa é uma bagunça total, reparem, garrafas de cervejas, copos, cigarros e folhas soltas e espalhadas dessa revista E AQUI ESTOU EU pegando uma das folhas e olhando bem para ela – E agora a câmera fecha em meus olhos escuros olhando para aquela folha com grande profundidade – E estou certo que estou sendo observado por Félix Caracol que solta baforadas incansáveis e bate com a ponta do seu careta na borda do cinzeiro para depois me encarar novamente com aqueles seus olhos frios e bêbados de um peixe-lombrado ou de um gangster falido mesmo, e a câmera fecha agora bem naqueles seus olhos frios e miúdos que continuam a olhar-me insistentemente de lado esperando talvez que lhe dissesse algo do tipo - MARIO DIZENDO - Lembro como se fosse ontem, fecho meus olhos e vejo tudo passando, assim, bem devagar, como nuvens carregadas de sonhos e trovoadas...

& OS APLAUSOS NO FUNDO DAQUELE BAR.  TOMADA PERFEITA.

CENA II – O CÍRCULO PROFÉTICO

,O sangue ainda escorria dos dedos magros e longos de Ecumênicus que manejava incansavelmente o estilete, aparando as arestas da revista que eram cuspidas da máquina de xerox do HUGV, onde estava acontecendo o parto – E era uma terça-feira de setembro deste ano de 2002 enquanto eu olhava para os pingos de sangue que manchavam algumas das páginas da revista e por isso eu chamava a atenção de Ecumênicus para os pingos de sangue que pincelavam de leve a revista, mas ele apenas sorria com sua calvície de padre feliz sem me dizer uma única palavra continuando a aparar suas arestas - Estávamos felizes, motivados e também possessos pela realização da revista - Sabíamos, portanto, que todo parto era dolorido, mas que tudo era festa, e que havíamos, porém, prometido ao nosso público que a revista ganharia as ruas da cidade ainda naquela noite onde soltaríamos o nosso grito à plenos pulmões em plena Praça do Congresso - Fora esse o combinado e que portanto, todos naquele momento, por certo, já nos aguardavam -  Mas ainda estávamos confinados em uma salinha quente e abafada do HUGV, xerocando as cem páginas da revista, cortando as beiradas e encadernando-a – Eu olhando agora excitado para os ponteiros do relógio que marcavam silenciosamente quase nove da noite e imaginava toda a corja de malucos  reunidos no Bar Macintosh, O Boca, Jordana, Carcamano, Veleiro, a Lua, Letícia, Félix, o Garoto, Betânia, enfim, todos lá esperando ansiosos pelo lançamento da Revista que aconteceria na Praça do Congresso naquela noite, conforme havíamos noticiado -  Mas ainda estávamos ali - Os dedos incansáveis e feridos de Ecumênicus no manejo do estilete com a certeza que íamos conseguir afinal,

CENA III

,Saímos do HUGV bastante cansados, mas, certos da vitória de nosso esforço, carregando sobre a cabeça uma enorme caixa de papelão com os cem exemplares da primeira edição da Sirrose <sim, este foi o nome que demos a nossa revista> e pegamos imediatamente o ônibus com destino ao centro da cidade porque eram quase dez e estávamos atrasados para o evento - E sentados nos fundos do coletivo, revezávamos com o peso da caixa - E COMO TODO PAI QUE SENTE carregávamos no colo uma filha que ainda nos traria muita confusão e dor de cabeça, mas aquele era o preço e EU olhava sorridente para Ecumênicus e seu rosto ainda era branco de porcelana sem um arranhão porque ele ainda não havia se tornado um junkie de verdade – uma espécie, sei lá, de barata desprezada pela família e também por Beatriz, a esposa que anos mais tarde o expulsaria de casa com duas calças jeans, uma camiseta branca, o rascunho de seus Versos da Morte e uma edição vermelha de capa grossa de Germinal que ele me presentearia por tê-lo acolhido amorosamente em minha casa e o ABANDONO DÓI DEMAIS, SENHORES, CREIAM – e por isso revezávamos com a caixa, tipo, eu ficava um pouco com ela sobre o meu colo e depois passava para Ecumênicus que a acariciava  como se fosse uma cria nossa e de fato era, EU JURO, porque ali dentro daquela caixa estava a nossa vida, a nossa luta, o nosso grito, ACORDEM FLORES, assim se iniciaria o manifesto que mudaria a história de nossas vidas  – Eu francamente vinha pensando sobre tudo isto enquanto olhava pela janela daquele coletivo e acredito que Ecumênicus  também pensava o mesmo - ELE ali calado ao meu lado, cada um de nós recolhido em seu próprio pensamento, mas felizes,

CENA IV

Ao lá chegar, e já decididos adiarmos o evento por conta do horário, atravessamos apressados à Praça do Congresso em direção ao Bar Macintosh, que àquela altura, já estava abarrotado de gente por conta do show do Platinados - E ali sentadinha em uma daquelas mesas havia a figura de Jordana que já nos aguardava ansiosa e devo dizer que ela estava linda e luminosa com seus olhos de egípcia e seu nariz impressionante como da última vez que eu a deixei ali  naquele bar, plantadinha, esperando por mim furiosa que estava por eu não haver retornado, é que sou assim mesmo, peço-lhe perdão, e bem ao seu lado havia o Veleiro com seu violão de onde ele dedilhava alguma canção nova e também o Carcamano – como poderia esquecer desses caras e daquela noite - A NOITE DE BATISMO DE JORDANA NAS ÁGUAS PÚTRIDAS DA MANAUS MODERNA CUMPRINDO A LEI DO CÍRCULO PROFÉTICO <invenção do Garoto – mais esclareço tudo mais tarde, prometo> Ela abrindo os braços AGORA  assim que nos vê chegando com a enorme caixa de papelão e nos diz:
“Porra, caralho, e a revista?”

 
 CENA V

& ECUMÊNICUS APONTANDO PARA A CAIXA DE PAPELÃO SOBRE SUA CABEÇA E DIZENDO
“Está aqui, conseguimos!”
Depois, colocando-a sobre o chão e abrindo-a em seguida - Cada um deles pegando um exemplar para ver melhor, enquanto eu e Ecumênicus ficamos ali só olhando com enorme satisfação eles lerem a revista com empolgação e era como alimentar cachorros com fome de tão estranhos que pareciam não acreditar naquele acontecimento  - E você aí do outro lado do papel deve estar se dizendo, quanta bobagem por causa de uma revista, meu Deus, mas você pensa assim porque não sabe avaliar o quanto ela foi naquele momento importante para nós e eu mesmo não saberia explicar o porquê, saca, vivemos um tempo dependente dela como se dela extraíssemos uma droga, um anestésico ou um tranquilizante para as nossas almas, e o quanto ainda sofremos por ela escrevendo as nossas meias verdades porque é impossível escrever uma autobiografia honesta -  ah, sei lá, bolas - Sigo avançando bêbado diante das imagens que me chegam à cabeça, meus dedos sensíveis matraqueando sobre as teclas deste computador de terceira mão como a minha própria alma e minhas lembranças, e este meu medo terrível de falhar outra vez, e um dia afinal quando eu enfim acertar, minha alma talvez já esteja calejada e os meus dedos secos sobre as teclas mas parece que de tanto tentar encontrei finalmente o formato para compor ao menos esta tira, só preciso agora escolher uma trilha decente para esta joça toda e - “Caralho, ela está linda!” - Me parece a voz de Jordana radiante que ouço agora enquanto Carcamano, sem tirar os olhos de cada página fina da revista, faz um leve sinal para que a garçonete nos traga  mais cervejas para àquela mesa festiva – E sentamos, eu e Ecumênicus à mesa com os amigos, e o Veleiro finalmente nos cumprimenta com seu ar desligado e malemolente de malandro morno e continua a dedilhar algumas notas em seu violão,
VELEIRO VELEJAR VELEJANDO/VAI LEVANDO A NOSSA TRISTEZA EMBORA
< É ISSO QUE VOCÊ QUER NOS MOSTRAR HOJE, VELEIRO – UMA CANÇÃO NOVA, NÃO É?> 

& JORDANA OUTRA VEZ: <Caralho, caras, vocês são loucos mesmo!> E esta é a voz de Jordana de verdade que ainda ouço toda feliz e alimentada com seus cabelos vermelhos de fogo, lábios roxos e coturnos negros, sim, e a cerveja nos é servida e desse modo brindamos pra valer com a chegada de mais três amigos, o Garoto, o Boca e o Betânia, que se aproximam gingando para ver qual é, e AGORA somos seis em torno desta mesa feliz celebrando o nascimento de nossa revista – Se não estou enganado, o Boca havia acabado de compor uma canção nova chamada O Choro de Bia, que contava a história de uma menina que era violentada todas as manhãs pelo padrasto desde os onze e o Boca resolveu musicar esta tragédia e ele agora nos mostra em primeira mão a sua música em forma de blues que ele cantarola uma centena de vezes só naquela noite ali mesmo naquela mesa festiva e embriagada de sonhos – É bom que se diga que produzíamos á beça e que todas as noites alguém nos mostrava um trabalho novo, tipo, um poema novo, um conto, uma canção um desenho ou uma idéia pra cinema, enfim  - Lembro que naquela mesma noite, um amigo nosso, o Robert, estava expondo o seu mais novo quadro – Ele havia pintado o Dom Quixote – Um óleo sobre tela imenso que agora estava sendo exposto no Bar Macintosh e eu fui olhar de perto o quadro com as minhas mãos para trás e meus olhos investigativos admirado com as cores que fiquei – O cavaleiro da triste figura ali sentado e triste, mãos no queixo, parecendo cansado de seus sonhos ou qualquer coisa do tipo – Um incompreendido,  eu havia lido Cervantes aos doze e contudo sabia mais que ninguém que seu personagem representava a utopia da humanidade – Éramos, por certo, um exército quixotesco a lutar com os moinhos de vento, cada um a sua maneira – Uma época muito produtiva foi aquele final dos anos noventa – As bandas de rock de Manaus explodindo – A trilha sonora do Bar Macintosh era mesmo os Platinados, A Espantalho, o Chá de Flores, os Olhos Imaculados, A Charlie Perfume - Havia muito batimento de vida e muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo na Avenida Eduardo Ribeiro onde nos reuníamos para beber, ouvir, falar e fazer literatura que até pareço um velho falando agora cheio de nostalgia – mas é que eu me sentia dentro de um delírio Hemingwaniano como as páginas de Paris é Uma Festa – e se bem me recordo era o que eu lia na ocasião, PARIS É UMA FESTA, do próprio Hemingway, era, mas estávamos em plena Manaus, numa das avenidas mais agitadas da minha cidade e ela fervilhava de sonhos – E foi lá que acabei conhecendo Jordana com seus coturnos negros e seus lábios roxos e seus calhamaços de poemas que trazia sempre consigo em uma pasta – Foi lá também que conheci o jeito malandro e despojado do Carcamano – E foi lá também que li os primeiros rascunhos do Garoto que me apresentou numa tarde mormacenta de julho UMA CAMA NO PARAÍSO e me perguntou se o que ele escrevia era literatura e eu francamente não soube lhe responder, apenas pedi-lhe que continuasse escrevendo e pagasse uma cerveja porque eu andava duro e desempregado mendigando emprego nas filas do SINE– E foi lá também que me apaixonei em silencio pelos olhos graúdos da menina Lua recém chegada de Belém com seu jeito de riponga anacrônica e eu então me apaixonei – Lua andava as voltas com a Letícia que arranhava uns  blues em uma gaita e parecia proteger a Lua insanamente e não queria dividi-la com ninguém, só que um dia a Lua me viu triste no balcão daquele bar e quis saber, tipo assim, como num filme,  O que tu tem hoje, Mário Augusto? Por que está triste? E como eu podia explicar-lhe que estava assim oscilante por não ter dinheiro suficiente para pagar-lhe mais cervejas e tê-la sempre ao meu lado mais tempo, e foi nesse dia que ela puxou uma garrafinha de Sapupara que ela sempre trazia em sua bolsa de riponga e me ofereceu um grande trago de sua tragédia – E o curioso < e eu já havia notado isto> é que ela sempre andava com aquela garrafinha de plástico que imitava uma garrafinha de whiski barato e eu acabei achando tudo aquilo um charme, tipo, uma idéia legal, e acabei aderindo, além do quê, era mais barato tomar Sapupara naquele verão escaldante de Manaus do que gastar meus míseros trocados com garrafas de cervejas e então eu passei a carregar sempre comigo aquela garrafinha plástica dentro da minha bolsa de carteiro até descobrir que começava a se abrir um grande buraco no meu estômago e no meu coração – E foi ali também que ouvi os primeiros acordes do Veleiro e as composições malucas do amigo Boca e que portanto ali estava a nata da Sirrose, o sustentáculo, a origem de tudo, aquela gente boemia e louca e iluminada fazendo tudo acontecer... A DIARRÉIA DO MEU TEMPO, 

CENA SEIS

Uns meses antes eu ali sentado ao lado do Garoto numa daquelas tardezinhas abafadas da minha cidade e ele me falando como uma guitarra eletrizante de sua Temporada no Inferno em São Paulo na companhia de Gerusa que o arrastou para lá para livrarem-se das drogas, enfim, só que não deu muito certo, não, e eu vou lhes contar porque, é que o Garoto quase sucumbiu sob o viaduto do Chá onde passou a morar com os mendigos de rua quando foi expulso do apartamento de Gerusa – O Garoto chegou cheio de idéias fervilhantes na cabeça e também cheio de histórias malucas e profundos arranhões em sua alma sebosa, mas sei lá, saca, no fundo eu gosto do Garoto e de sua ginga e também de seu jab infalível com as palavras, não tenho mágoas dele não, sei que um dia ele vai crescer e me agradecer e bom, chega de cantilena, depois voltamos para o ponto de onde partimos - Bom, bem antes da prisão e da queima dos cem exemplares de nossa revista, devo contar-lhe sobre o Circulo Profético, que foi mesmo idéia do Garoto logo quando ele retornou de sua Temporada no Inferno como já disse e ele agora me contando tudo com detalhes enquanto bebemos os dois no Bar Castelinho e foi assim mais ou menos a conversa estropiada que tivemos, Mário, cara, ele me dizendo -  no começo é tudo mil maravilhas, saca, tínhamos mesmo planos de ficarmos juntos eu e Gerusa e finalmente darmos um tempo nas drogas, mas aí eu descobri que a dona era uma bruxa de verdade, ela passou a promover verdadeiros rituais de bruxarias naquele apartamento da Paulista, tipo, um lance que era pra exorcizar os maus espíritos, saca?
Mas como assim, porra?
Cara, manja a Paulista?
Nunca fui a São Paulo.
Saca só, o nosso apartamento ficava ali na Paulista, e as reuniões aconteciam regadas a vinho, mel e cocaína, chegou até rolar alguns picos - drogas pesadonas mesmo – dias endiabrados aqueles com a gente trancafiado naquele apartamento da Paulista, mas aí, né, a grana que era pro tratamento acabou porque o pai dela descobriu toda a parada que rolava e não nos enviou mais dinheiro, e é claro, aquela corja de junkies da Paulista deram no pé, e aí ficamos apenas nós dois sozinhos e desesperados naquele apartamento pequeno e sujo porque já estávamos viciados e aí tu entra num desespero filha da puta porque acabou a moleza, as viagens de Gulliver, de Alice, os picos, o caralho a quatro, e a tua boca seca e a tua alma seca e tudo seca dentro de ti e o ódio e a fome crescem juntos e começam a habitar o teu coração e a tua alma sebosa, um troço meio assim, né, cara, que é realmente foda - Fumávamos um cigarro atrás do outro e não conseguíamos mais respirar com ela tossindo o tempo todo uma tosse velha-escrota de viciada-escrota...
 E aí, o quê mais? Me conta tudo, vai!
Você não vai me roubar a idéia pra colocar em um livro, vai?
Não, não, não, não, por que eu roubaria a tua idéia, afinal?
Porque você adora me plagiar.
Nunca te plagiei, pare com isso!
Então, tá! Aí começamos a nos odiar pra valer, eu não conseguia mais nem olhar para a cara dela e nem ela mais a minha, e um belo dia ela resolveu me expulsar de lá porque eu saía pra descolar uma parada legal pra nós dois e só voltava dias depois liso e cheio da noia e sempre a encontrava muito brava me atirando objetos afiados na cara ou aqueles seus bonequinhos de vodu, e por isso não dava mais pra nós dois ali, não, foi quando ela tocou fogo nos cabelos e quase incendiou o apartamento todo, e aí eu disse, chega, e resolvi dar no pé, e você não imagina, Mário, o que é andar liso e sozinho naquela imensidão de cidade que é São Paulo – A GRANDE BELA ADORMECIDA DO TEU PIOR PESADELO E DESAMPARO E SOLIDÃO E SOFRIMENTO TOTAL  sem um lugar pra poder se secar da chuva ou se aquecer do frio, é você e sua miséria somente e  a MALDITA PEDRA que acabei experimentando com os mendigos da Rua Augusta onde eu passei a morar naqueles dias que me pareceram uma eternidade sem luz, e todas as noites eu deixava o abrigo e saía as ruas atrás de uma pedra, afinzão de me chapar  pra valer caminhando por entre multidões de vagabundos enrolados em mantas sujas como a minha, vagabundos de todas as estirpes e classes sociais com seus canecos e cachimbos de crack, noiadões e você é mais um número caminhando entre eles com sua cabeça tiritando como uma britadeira abrindo buracos ao meio dia no teu cérebro pifado, vendo ali de perto toda a escória do mundo com suas almas fodidas e condenadas, O GRANDE FLAGELO HUMANO, e você é mais um número em meio a crianças, velhos, mulheres, rapazes, todos viciados... e as fogueirinhas nas esquinas todas acessas que é para os vagabundos e os viciados se aquecerem nelas, e os outros olhos vagabundos e assustados me olhando no escuro sem seus cobertores e suas drogas e suas vidas trágicas e também  o frio e o tremor das noites congelando o teu coração e as tuas lágrimas  e eu caminhando como num sonho escroto despedaçado feito um zumbi gelatinoso pelas ruas de São Paulo tremendo de frio e enrolado em uma manta trágica, sem nenhuma chance de voltar para casa porque você está longe pra caralho da sua casa e tudo em volta de você são enormes arranha-céus e aniquilamento total e tudo de que você precisa agora é de uma pedra pro teu cérebro pifado pegar no tranco e se chapar de vez  <e eu nem me importo mais se resolveres escrever sobre isto, à merda com meu egoísmo, vai em frente> e olha, talvez você não acredite no que vou lhe dizer agora, pode até achar que pirei de vez, mas foi no meio daquele inferno todo – quando já estava quase desistindo da vida – que me veio a visão glorificado de um velho índio que me soprou na cara um pó feiticeiro enquanto eu sofria uma das minhas crises de abstinência e delirava de frio na esquina da Augusta e ele me dizia na sua língua aruak que eu precisava deixar São Paulo e voltar para Manaus para dar início ao Circulo Profético antes que fosse tarde demais, e dito disso, ele sumiu na fumaça e eu nunca mais o vi, e assim o fiz, passei um dia limpo e descolei um jeito de ligar para meu pai e falar do meu inferno, e dentro de três dias eu estava com a minha passagem na mão e pronto para voltar á Manaus, e aqui estou eu, meu caro, e se da tua parte houver mesmo algum interesse de colocar todo este delírio em papel, vai em frente, tens o meu aval!
O Círculo Profético a que o Garoto então se referia nada mais era que o batismo de todos nós nas águas pútridas da Manaus Moderna, e por mais absurdo que fosse, acabamos topando – O Garoto nos convenceu a mim e a Ecumênicus e também ao resto da trupe que o batismo traria mais união ao grupo, afastaria os inimigos invejosos e caluniadores, nos livraria das mãos da polícia quando fosse preciso e traria resultados financeiros e positivos à Revista, e assim, numa madrugada estrelada daquele Outubro de 2002, após rodadas infindáveis de cervejas no Bar Castelinho, descemos a Eduardo Ribeiro, Eu, Ecumênicus e acho que o Boca também, para sermos batizados nas águas sujas do Rio Negro, e assim se iniciou o Circulo Profético e agora sim, VIRAMOS ESTA PÁGINA e voltemos ao ponto de onde partimos, pois não?

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