COMO
FUNCIONA A LEI
AVANCEMOS PARA A CENA em que somos arrancados de
nossa cela outra vez e novamente colocados na presença do delegado moderninho
que nos mostra como funciona a lei e ficamos ali sentados encostados á parede
um ao lado do outro para assistirmos as sessões de espancamento dos galerosos
que tocavam terror na Praça Quatorze – A malandragem junto à parede enquanto um
tal de ROBOCOP desfere-lhes grandes murros no peito de cada um daqueles garotos
franzinos fazendo a sala daquela delegacia tremer – E ah, Cristo, aqueles
meninos raquíticos de cabeças baixas e a polícia não pode ser tão mau assim que
me faz embrulhar o estômago revoltoso, e o delegado nos dizendo enquanto o cabo
bate, “em todo bairro tem um rato e eles proliferam - começam como catitinhas, depois
viram ratões grandes e perigosos, e aí ficam tocando o terror, dando dor de
cabeça pra polícia...” - Os murros do ROBOCOP são fortes e secos e reverberam
na sala, enquanto o delega nos diz, - “apanham, mas não aprendem, e aquele lá
até gosta de umas boas bordoadas, vejam como ele está de pau duro!” – E meus
olhos desviam-se para o quadro virado de cabeça para baixo a cada golpe do
Robocop e o meu cu engelhado de medo e terror como o cu de Jesus Cristo e de
Buda em situações de perigo <e porque eu pensei em um troço desses?
> e aquilo ficando perigoso e sério demais o
jogo daquele delegado doente que se diverte á nossa custa e depois da sessão de
espancamento do Robocop, Ecumênicus pede a palavra para lhe dizer que já estávamos
naquela delegacia tempo demais e que precisamos saber quando iríamos ser
liberados e o delega enfim nos permite dar o nosso telefonema e o carcereiro
nos conduz a um corredor e de um orelhão Ecumênicus disca o número e dali eu
vejo uma sala toda ampla onde flagro o escrivão e mais três funcionários lendo
a revista e dando gargalhadas – Os canas se divertem à beça e há um deles muito
à vontade descansando suas grandes botas sobre a mesa enquanto lê a revista e porque
eu iria inventar uma coisa dessas? – E foi quando Ecumênicus bateu o telefone e
eu então lhe pergunto, “O que foi?”, “O filha da puta do Sabazinho está de
férias pro Caribe.”
- e eu desconfiava que não era nada disso, e vou
lhes contar o que de fato aconteceu – para isso precisamos nos deslocar no
tempo de novo a um ano atrás quando
Ecumênicus resolveu filiar-se ao Partido Comunista do Brasil por causa de uma xota
vermelha que havia tirado ele do sério, e isto se deu na Praça do Congresso durante
a manifestação contra a invasão dos Ianques no Iraque naquele ano de 2002 e
neste dia eu estava com ele, sim, e ela deve ter se encantado com o seu
discurso fervoroso fundamentado no artigo dois da declaração dos Direitos do
Homem e era legal vê-lo discursar e a suas veias pularem - E a dona era de fato
jeitosinha e secretariava o partido que ficava na esquina da Epaminondas - E mais tarde tomando um cafezinho com ele na
Padaria Modelo, esquina da Sete, ele me diria muito sério, “Cara, eu estou
apaixonado por uma xota vermelha, e por conta disso irei me filiar ao partido
Comunista para participar das reuniões e ficar mais próximo dela e você ri
Mário Augusto porque não sabe o que é sofrer por uma xota – Ele me dizendo isso
bastante comovido enquanto bebíamos Café e ele no dia seguinte então filiou-se ao
Partido, e eu estava com ele quando ele assinou a carta de filiação e depois
fomos tomar umas cervejas na companhia do Sabazinho que era um dos advogados do
Partido e é claro, a mina da xota vermelhíssima também, e ela na ocasião pediu docemente
que publicássemos um de seus poemas na revista e aquilo foi de derreter o
coração e depois que ela se foi, eu perguntaria a Ecumênicus, “Cara, tem mesmo
certeza que publicaremos os poemas dela, são tão infantis.” - Eu havia dito
isso a ele mas até isso ele me convenceu – Ecumênicus precisava trepar com a
xota vermelha e aquela era a oportunidade, e o Félix nos chamaria na época de
lobos maus e sem caráter, mas necessários que éramos – e aquilo ali não podia
dar certo nunca e não tardou para que
ele me procurasse arrasado para falar de sua desastrosa investida quando ouviu da
xota vermelha que ela estava noiva de um cara e que esperava um filho seu e neste
dia eu levei meu amigo Ecumênicus para minha casa e lhe reservei o melhor sofá
da sala para ele descansar a sua cabeça e no dia seguinte ele já disposto e com
um chapéu estranho de panamenho na cabeça, nos dirigimos até o prédio do
Partido para assinar a carta de sua desfiliação (e é impressionante como alguém
se desfilia de um partido tão rapidamente da mesma forma como se filia) e este
é o Ecumênicus de quem tanto falo – E o Sabazinho muito desapontado com ele
dizendo, “Cara, tu pirou? Precisamos de você no Partido – E eu no fundo eu acho
que foi uma boa decisão de Ecumênicus, tanto que neste dia eu coloquei minhas
mãos em volta de sua cintura e o levei para conhecer um dos melhores puteiros
da Mauá e ele acabou se encantando com Salomé que o seduziu com seus olhos de
mistério com sua dança e sua marca de cesariana e toda sua beleza carnívora
refletida na fumaça de luz neon do puteiro mais vagabundo das minhas economias
e de Ecumênicus - E olha, o Sabazinho podia nos tirar daquela fria se ele não tivesse
inventado aquela história da sua viagem
ao Caribe chateado que ainda podia estar com o episódio da desfiliação - E eu na
verdade nunca acreditei em partido algum, e que a mulher se conhece pelo
movimento harmonioso dos flancos – o velho andar feminino e desafiador de zebra
no cio, e apesar de jeitosinha, a xota vermelha não possuía tais atributos
necessários a uma mulher, eu deveria ter dito
isso a Ecumênicus naquela ocasião, mas enfeitiçado que ele estava pela
xota vermelha que não daria a mínima - E agora, senhores, chega de dedilhar
este assunto e retornemos ao fundo de nossa cela com a brincadeira do xerife se
tornando perigosa demais e a gente chapado de fome e nos detestando como se
tivéssemos mesmo culpa de tudo aquilo – O encarceramento provoca isso na tua
alma, ela vai ficando desgraçadamente dilacerada como bosta pisoteada na rua ainda
mais quando sentimos fome e perdemos a esperança na sombra do próximo e havia o
medo de nunca mais sairmos dali, e isso ainda não é bastante pra você?
DELEGADO MORDENDO UMA MAÇÃ: <Com que
justificativa, minha gente. Vocês invadiram uma escola e causaram tumulto. Isso
é perturbação de ordem pública. E logo em uma escola.>
BETÃNIA: <Mas já estava uma bagunça aquilo ali,
doutor!
DELEGADO:< Não interessa! Jaime! Levem eles de
volta pra cela!>
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