segunda-feira, 27 de maio de 2013

CENA TREZE




COMO FUNCIONA A LEI

AVANCEMOS PARA A CENA em que somos arrancados de nossa cela outra vez e novamente colocados na presença do delegado moderninho que nos mostra como funciona a lei e ficamos ali sentados encostados á parede um ao lado do outro para assistirmos as sessões de espancamento dos galerosos que tocavam terror na Praça Quatorze – A malandragem junto à parede enquanto um tal de ROBOCOP desfere-lhes grandes murros no peito de cada um daqueles garotos franzinos fazendo a sala daquela delegacia tremer – E ah, Cristo, aqueles meninos raquíticos de cabeças baixas e a polícia não pode ser tão mau assim que me faz embrulhar o estômago revoltoso, e o delegado nos dizendo enquanto o cabo bate, “em todo bairro tem um rato e eles proliferam - começam como catitinhas, depois viram ratões grandes e perigosos, e aí ficam tocando o terror, dando dor de cabeça pra polícia...” - Os murros do ROBOCOP são fortes e secos e reverberam na sala, enquanto o delega nos diz, - “apanham, mas não aprendem, e aquele lá até gosta de umas boas bordoadas, vejam como ele está de pau duro!” – E meus olhos desviam-se para o quadro virado de cabeça para baixo a cada golpe do Robocop e o meu cu engelhado de medo e terror como o cu de Jesus Cristo e de Buda em situações de perigo <e porque eu pensei em um troço desses?
> e aquilo ficando perigoso e sério demais o jogo daquele delegado doente que se diverte á nossa custa e depois da sessão de espancamento do Robocop, Ecumênicus pede a palavra para lhe dizer que já estávamos naquela delegacia tempo demais e que precisamos saber quando iríamos ser liberados e o delega enfim nos permite dar o nosso telefonema e o carcereiro nos conduz a um corredor e de um orelhão Ecumênicus disca o número e dali eu vejo uma sala toda ampla onde flagro o escrivão e mais três funcionários lendo a revista e dando gargalhadas – Os canas se divertem à beça e há um deles muito à vontade descansando suas grandes botas sobre a mesa enquanto lê a revista e porque eu iria inventar uma coisa dessas? – E foi quando Ecumênicus bateu o telefone e eu então lhe pergunto, “O que foi?”, “O filha da puta do Sabazinho está de férias pro Caribe.”
- e eu desconfiava que não era nada disso, e vou lhes contar o que de fato aconteceu – para isso precisamos nos deslocar no tempo de novo a um ano  atrás quando Ecumênicus resolveu filiar-se ao Partido Comunista do Brasil por causa de uma xota vermelha que havia tirado ele do sério, e isto se deu na Praça do Congresso durante a manifestação contra a invasão dos Ianques no Iraque naquele ano de 2002 e neste dia eu estava com ele, sim, e ela deve ter se encantado com o seu discurso fervoroso fundamentado no artigo dois da declaração dos Direitos do Homem e era legal vê-lo discursar e a suas veias pularem - E a dona era de fato jeitosinha e secretariava o partido que ficava na esquina da Epaminondas  - E mais tarde tomando um cafezinho com ele na Padaria Modelo, esquina da Sete, ele me diria muito sério, “Cara, eu estou apaixonado por uma xota vermelha, e por conta disso irei me filiar ao partido Comunista para participar das reuniões e ficar mais próximo dela e você ri Mário Augusto porque não sabe o que é sofrer por uma xota – Ele me dizendo isso bastante comovido enquanto bebíamos Café e ele no dia seguinte então filiou-se ao Partido, e eu estava com ele quando ele assinou a carta de filiação e depois fomos tomar umas cervejas na companhia do Sabazinho que era um dos advogados do Partido e é claro, a mina da xota vermelhíssima também, e ela na ocasião pediu docemente que publicássemos um de seus poemas na revista e aquilo foi de derreter o coração e depois que ela se foi, eu perguntaria a Ecumênicus, “Cara, tem mesmo certeza que publicaremos os poemas dela, são tão infantis.” - Eu havia dito isso a ele mas até isso ele me convenceu – Ecumênicus precisava trepar com a xota vermelha e aquela era a oportunidade, e o Félix nos chamaria na época de lobos maus e sem caráter, mas necessários que éramos – e aquilo ali não podia dar certo nunca  e não tardou para que ele me procurasse arrasado para falar de sua desastrosa investida quando ouviu da xota vermelha que ela estava noiva de um cara e que esperava um filho seu e neste dia eu levei meu amigo Ecumênicus para minha casa e lhe reservei o melhor sofá da sala para ele descansar a sua cabeça e no dia seguinte ele já disposto e com um chapéu estranho de panamenho na cabeça, nos dirigimos até o prédio do Partido para assinar a carta de sua desfiliação (e é impressionante como alguém se desfilia de um partido tão rapidamente da mesma forma como se filia) e este é o Ecumênicus de quem tanto falo – E o Sabazinho muito desapontado com ele dizendo, “Cara, tu pirou? Precisamos de você no Partido – E eu no fundo eu acho que foi uma boa decisão de Ecumênicus, tanto que neste dia eu coloquei minhas mãos em volta de sua cintura e o levei para conhecer um dos melhores puteiros da Mauá e ele acabou se encantando com Salomé que o seduziu com seus olhos de mistério com sua dança e sua marca de cesariana e toda sua beleza carnívora refletida na fumaça de luz neon do puteiro mais vagabundo das minhas economias e de Ecumênicus - E olha, o Sabazinho podia nos tirar daquela fria se ele não tivesse inventado aquela história  da sua viagem ao Caribe chateado que ainda podia estar com o episódio da desfiliação - E eu na verdade nunca acreditei em partido algum, e que a mulher se conhece pelo movimento harmonioso dos flancos – o velho andar feminino e desafiador de zebra no cio, e apesar de jeitosinha, a xota vermelha não possuía tais atributos necessários a uma mulher, eu deveria ter dito  isso a Ecumênicus naquela ocasião, mas enfeitiçado que ele estava pela xota vermelha que não daria a mínima - E agora, senhores, chega de dedilhar este assunto e retornemos ao fundo de nossa cela com a brincadeira do xerife se tornando perigosa demais e a gente chapado de fome e nos detestando como se tivéssemos mesmo culpa de tudo aquilo – O encarceramento provoca isso na tua alma, ela vai ficando desgraçadamente dilacerada como bosta pisoteada na rua ainda mais quando sentimos fome e perdemos a esperança na sombra do próximo e havia o medo de nunca mais sairmos dali, e isso ainda não é bastante pra você?  
BOCA: <Mas a gente não ia ser liberado, doutor?>
DELEGADO MORDENDO UMA MAÇÃ: <Com que justificativa, minha gente. Vocês invadiram uma escola e causaram tumulto. Isso é perturbação de ordem pública. E logo em uma escola.>
BETÃNIA: <Mas já estava uma bagunça aquilo ali, doutor!
DELEGADO:< Não interessa! Jaime! Levem eles de volta pra cela!>

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