quarta-feira, 22 de maio de 2013

CENA DOZE




O CÁRCERE

Deixem-me ver como inicio estas linhas enquanto ouço uma barata roer o pé de madeira do guardarroupa velho e Selminha me dizendo um milhão de vezes que já devíamos ter comprado um guardarroupa novo e que eu devo pensar em minha aposentadoria e na minha saúde porque meus cabelos começam a cair - GRANDES TUFOS negros sobre o lençol da cama e no chão do quarto e do banheiro também, caem mais que os pelos brancos do Horácio - E tudo isso enquanto penso em como iniciar mas este capítulo e ela se empeteca toda para ir trabalhar e é assim todas as manhãs e os mamoeiros do quintal estão dando bons frutos eu vejo daqui da minha janela gradeada nesta manhã cinzenta e bela de uma terça-feira de maio de 2013 e a minha vida até aqui ela tem sido razoável comigo, não tenho o que reclamar, cumpro meu contrato, só preciso pensar na minha aposentadoria e na minha saúde, Selminha está certa quanto a isso, mas talvez eu não chegue a me aposentar, quero dizer, vestir um pijama listrado e sentar ao seu lado para ver de nossa varanda o enterro do sol e falarmos somente o necessário um para o outro e também um cachorro novo aos nosso pés que eu batizarei de Deus e tentarei sobreviver a mais este cão - Ou devo mesmo parar com as minhas misturas pesadas de Duoloxetina, cervejas e os meus coquetéis de HIV  – E todos nós nascemos para morrer e vamos aprendendo que tudo é nada TUDO É NADA mas vale o esforço de nos mantermos vivos e mover nossas pedras neste tabuleiro líquido e deixarmos de sermos tão covardes – E o glacê das manhãs com os  teus olhos marejados cravejados de estrelas líquidas, lábios como sangue de um sacrifício à meia noite, ombros que parecem o cansaço dos elefantes encarnados, sucumbimos ao peso incrível de toda a manada do tempo, teus seios quando você esconde eles com renda preta como se eu quisesse passar manteiga neles, o glacê dos mamilos frios de todas as manhãs – E devemos adiar o trabalho e trepar e trepar e trepar – E Selminha me olhando agora com os olhos bastante arregalados porque neste dia ela pegará o ônibus das oito e chegará bastante atrasada por conta do poema que acabo de reinventar – Ah, minha mulherzinha volátil e fogosa como a lua de clitóris dourado, digo-lhe isto enquanto trepamos e só depois ela se arruma e se vai - E agora me dou conta que devo seguir com os camaradas nos arrastando até a escola Pedro II que fica em frente à Praça da Polícia porque Ecumênicus teve a brilhante idéia de divulgarmos a nossa revista lá e descolar alguns trocados para o café da manhã E JÁ É porque minha barriga e a dos camaradas roncam de fome - E AQUI INICIA-SE O EPISÓDIO FANTÁSTICO E INUSITADO DE NOSSA PRISÃO QUE VOU LHES NARRAR PORMENORIZADAMENTE SEM DIVAGAÇÕES, PROMETO ( e não havia a necessidade do caps lock, havia?>
                                                                                                O plano    
- o plano era mais ou menos o seguinte, era pedirmos uma colaboração dos alunos e professores para alugarmos um carro de som para o evento da revista, e o dinheiro arrecadado com o golpe a gente separaria uma parte para o nosso desjejum e para o almoço em grande estilo na Marechal E RÁ - Estávamos destruídos demais e voltar para casa naquele estado era realmente foda, por isso decidimos entrar naquele colégio, mas o porteiro não entende muito bem que precisamos entrar naquele lugar e por isso nos barra a entrada – E decidimos então partir para uma outra investida  dobrando a esquina da Sete subindo agora a Getúlio rumo ao Colégio Brasileiro com o Boca tocando o Choro da Bia e os cinco cantando aquela canção como doidos varridos porque as notas eram boas demais e as pessoas que nos vêem passando bem embaixo dos semáforos vermelhos comentam, estes caras muito doidões estão viajando nas bolas, eles não sabem quando parar? – E vejo o entusiasmo do Boca com o Choro da Bia porque ele está entusiasmado demais, havíamos decorado a letra e também cantávamos ébrios acompanhando os acordes - <e hoje não vou mesmo trabalhar por conta disso, ficarei aqui no silencio do meu quarto teclando sem parar, mergulhado que estou nessas minhas reminiscências ínfimas e loucas tentando encontrar uma saída para não lhes decepcionar> E não podemos esquecer a caixa com a nossa revista dentro que carregávamos conosco e que revezávamos sobre nossas cabeças – E foi mais fácil a nossa entrada nesta outra escola porque não havia nenhum sentinela que nos impedissem de entrar e nos misturamos alegres aos alunos e adentramos àquele prédio inacabado chamado escola e sentamos na pracinha de concreto que havia no centro do pátio – Ah, não quero ser detalhista demais - E todos aqueles adolescentes com seus hormônios aflorando e por certo que haviam algumas alunas encantadoras que olhavam inocentes para nós mas especificamente para o Boca que era cabeludo e usava uma camisa preta dos Ramones e tocava violão e o Boca era mesmo uma figura tresloucada e original antes dele cortar os seus cabelos e desistir da música para se dedicar exclusivamente aos seus Bommerangues, mas eu entendo o dilema do Boca e sei que ele precisa viver e não o culpo por isto, por isso lembro-me dele com carinho naquele dia travadão sentado na esquina do Prédio Antônio Simões me chamando para mostrar os primeiros acordes de Equivalências de Loucura na Esquina da Getúlio Vargas, <E você tá de sacanagem comigo que vai musicar esta joça, vai Boca?> E eu me liguei pra valer naquele seu estilo piradão de compor suas músicas e saímos os dois cantando pela noite afora aquela canção e ele sacou o seu baseadão e ordenou algumas cifras perdidas, e isso tudo, é claro, bem em frente à Igreja São Sebastião com o vento soprando seus cabelos sujos, de qualquer modo, ah, putz, o ponto central dessa questão é que eu e ele mais tarde fuçaremos bem doidões a noite e aí não conseguirei mais me lembrar de nada, mas alguns minutos e a gente vai estar bem doidões e insuportáveis e nada sociais, ah deixa eu pensar com calma como tudo acaba, nada acaba, segue, sempre segue e eu prometi, nada de divagações mas já estou divagando de novo – e antes de ir mais longe do que o necessário eu e Ecumênicus procuramos o diretor da escola só que não havia diretor algum e também procuramos pelo pedagogo ou algum outro responsável e sei lá mas tudo estava entregue às baratas – alunos iam e vinham numa tremenda algazarra e é desse modo que tomamos o leme do barco e adentrarmos as salas que ficavam na parte superior do prédio e portanto subimos alguns lances de escadas de cimento deste prédio inacabado e logo na primeira sala que entramos não havia professor e os alunos faziam a maior algazarra e foi então que Ecumênicus bateu no quadro negro chamando a atenção de todos eles e fez-se um momento de silencio e ele começou a explicar tudo enquanto eu distribuía alguns exemplares da revista e o Betânia declamava um de seus poemas e o Boca tocava seu violão e o Garoto recolhia as moedinhas em um saco e todos colaboravam com que podiam e dali saímos com um saquinho chacoalhando moedas - O plano dando muito certo afinal e portanto fomos á outra sala que por sinal também não havia professor e usamos da mesma estratégia ornado de apelo poético e Ecumênicus sempre foi muito bom no trato das palavras fazendo chover moedinhas e algumas cédulas também, o suficiente para o nosso desjejum - E não satisfeitos fomos de sala em sala  - Na quinta ou sexta sala, se bem me lembro, encontramos um único professor - ou melhor - uma professora que ouviu atentamente, e por isso ela resolve colaborar com uma quantia mais considerável e penso que já tínhamos o bastante para o nosso almoço e mediante a isso faço um apelo que deixemos o prédio – mas em um ato impensável, o Boca aproxima-se daquele anjo bom  e tasca-lhe em seu rosto um beijo de agradecimento e a dona apenas sorri e finalmente deixamos aquela sala e partimos para outra e o erro foi achar que ainda podíamos arrecadar mais grana, e portanto, entramos na última sala do corredor do terceiro andar da escola e decidimos que era a última, depois, cairíamos fora - No entanto, no meio do discurso de Ecumênicus, surge à porta, uma professora e a coisa agora é mais ou menos como uma peça achincalhada de Ibsen:
PROFESSORA: <Mas que algazarra é essa? Vou chamar o diretor!>
  - e nesse instante os alunos começam a vaiar a professora e embora eu esteja preocupado, Ecumênicus demonstra bastante calma e prossegue falando o tempo todo suficiente para que ela retorne escoltada pelo diretor e também do pedagogo – uma bichinha da Rua 36 do meu bairro e ele diz com as mãos nos quadris - Aí, Mário, eu não acredito que você esteja envolvido nessa baderna – É o que a bichinha diz e agora é a vez do diretor falar:
 DIRETOR: <Quem autorizou a entrada de vocês na minha escola?>
                     Quem autorizou a entrada de vocês na minha escola?
                  
    - essa frase deslocada no espaço merece bem sua atenção porque foi isso exatamente isso mesmo o que ele nos disse na chincha se achando dono da escola só que a escola é publica como rebate Ecumênicus na sua santa calma e o lembra que quando ali chegamos não havia direção e eles então começariam uma discussão calorosa  com um coro de alunos nos apoiando e vaiando o diretor e foi aí que eu vi a coisa preta de verdade  porque a autoridade de bosta perdida daquele diretor adentra furioso à sala e tenta arrancar Ecumênicus à força, mas ele resiste e os alunos gritam eufóricos enquanto eu tento acalmar a fúria do diretor que havia mesmo perdido sua liderança e agora está moralmente arrasado e o grito exasperado de Ecumênicus ecoa no pátio da escola e ele discursa pra valer com suas veias-tendões arrebentando do pescoço e os estudantes todos ali vibrando sem entender muito bem o discurso inflamado de Ecumênicus e eu não posso convencê-lo de parar – não tenho esse direito – mas vejo que o Betânia e o Garoto desconfiam do pior e o Boca nem tanto porque ele se diverte com a cena e tenta levar embora uma das alunas com ele e quanto a mim, permaneço hipnotizado ouvindo Ecumênicus  e continuo a gostar dele e de sua camisa Hering branca -  ele sempre usa uma camisa branca da marca Hering e eu nunca o vi usando uma camisa de outra marca que Beatriz lhe dera em seu aniversário ou que ele tenha comprado com seu mísero salário de professor – e isso, é claro, não tem importância alguma na altura dos acontecimentos e talvez você aproveite este momento para achar que eu esteja enchendo lingüiça ou que eu esteja blefando ou que eu esteja usurpando seu precioso tempo aí sentado agora lendo estes treze mil cento e cinco caracteres que registro agora no rodapé do meu computador de terceira mão – mas devo dizer que este é um exercício legal  & eu tentando acalmar Ecumênicus porque nesse momento o diretor ordena que tranque os portões e acione a polícia que não demora muito a chegar e somos todos ouvidos e depois levados ao 12º DP na Praça Quatorze – e o que veremos a seguir  é só o começo da primeira parte da carceragem...

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