PARTE I
Tudo corria na santa paz gloriosa os
misericordiosos de Deus e benfeitores das letras, onde se discutia, além da
forma e estética na obra de Ulisses, o projeto do governo para a reforma do
prédio e também mais verba para a Academia Amazonense de Letras e para o bolso
dos seus cátedras, QUANDO DE REPENTE um palhaço ( pois que tinha um rosto grossamente pintado de Carlitos – e não se sabe
de onde surgiu a criatura) resolveu foder com tudo, atirando bocejadamente
sobre a mesa, um livro borrado de desgostos, conhaques e café, intitulado: “O LIVRO
DOS DESEJOS ANAIS”, causando, é lógico, reações adversas:
“Mas o que significa isto?” - Berrou um velhinho
cadeirante e ranzinza sentado á cabaceira.
“É um livro, poetinha. O Livro dos desejos Anais." Explicou
o infortúnio convidado. Os demais permaneceram em silencio como as pedras
ornamentais do Largo.
“Quem é você?”
“Sou um escritor marginal”.
“Como ele entrou aqui?” O velhinho cadeirante virou-se
para o homem de jaquetinha verde profetizado por Karl Marx e que ocupava a
cadeira de número 34.
“Calma, poetinha, olhe sua pressão.” Falou o homem da
jaquetinha verde. O velhinho cadeirante virando-se outra vez para o importuno
convidado, falou: “Escuta aqui, meu camarada, aqui não servimos cachaça. Apenas
biscoitos e chás, quando muito - e isso somente em ocasiões especiais - umas
dosezinhas de whisky, ademais, isso aqui não é um circo ou um prostíbulo. Isso aqui é uma
academia séria. Portanto, o que faz aqui?”
“Propor a discussão desse livro, considerando que estamos
falando sobre forma e estética.” Falou o escritor marginal que tinha o rosto
grossamente pintado de Carlitos e que, sentado nos fundos e devido o disfarce,
era impossível, portanto, saber de quem se tratava. Um outro membro da
academia, de rosto redondo e ligeiramente calvo e que até então se mantinha
petrificado como os demais colegas, mas que parecia saber do que tratava, manifestou
sua curiosidade:
“Quem é o autor deste livro? O homem ou o cão?”
“O homem, é lógico. Assina como Hilda. O Cão apenas ladra
e não há qualquer relevância no que diz ou escreve.”
“Ahh, eu sabia, são aqueles jovens terroristas que adoram
atacar a academia e querem a todo custo destruí-la.” Esbravejou o velhinho
cadeirante já bastante nervoso.
“Ran Ran (tosses) se me permitem o adendo, eu li este
livro, e afirmo se tratar de um livro sem conteúdo e sem forma, embora a
intenção fosse boa como todo livro o é – sem desmerecer também o fôlego das
palavras juvenis, não mais, o livro em si, aqui presente, inviabilizaria
qualquer discussão acerca do que nos propusemos a falar.” Falou este outro
membro da academia que era jornalista e justificavelmente magro e que também
usava óculos de lentes grossas que lhe davam um aspecto frio e a capacidade patológica
e ameaçadora de matar. Mas o escritor marginal não se intimidou:
“A forma e a estética proposta neste livro vão muito além
de uma simples intenção de ardor juvenil deste escritor. Refiro-me ao objeto
estético puro, como forma arquitetônica, mas que possível de implodir e
reafirmar o novo.”
Os célebres cátedras ajeitaram-se todos de uma só vez em
suas cadeiras numeradas, como se todos eles - num ato conspirativo -
resolvessem peidar de uma vez só. Um deles falou:
“Você está blefando meu rapaz.” Foi um dos senhores cujos
cabelos brancos lembravam nuvens brancas paralíticas.
“Calma senhores, olhem suas pressões! Seus chás vão esfriar." Insistia o homem
da jaquetinha profetizado por Karl Marx e que ocupava a cadeira de número 34.
“O que você escreveu até aqui, meu rapaz?” Perguntou um
outro que escondia um frasco de Jhonny Walker no bolso esquerdo de seu paletó e
parecia o único ali bastante interessado.
“O que já escrevi até aqui, é irrelevante diante de O
Livro dos Desejos Anais. Mas que porventura, o mesmo levou-me ao esboço de A
Morte da Sentença e o Cárcere das Aspas que pretendo publicar um dia, ou não.” Foi
aí então que todos ouviram uma voz timbrosa falar:
“O que seria de uma obra clássica se decretarmos a morte
da sentença e abrirmos mãos das aspas que guardam em seus interiores, supostas
citações uterinas? Muito interessante...” Não se sabe de onde veio a voz.
Cogitaram que a voz viesse do homem da jaquetinha verde profetizado por Karl Marx.
Mas ele tratou logo de esquivar-se da culpa encolhendo os ombros covardemente.
“Um acontecimento possível.” Complementou o escritor
marginal, tentando também adivinhar de onde vinha a voz.
“Sem dúvida. Um acontecimento extraordinário”. Tornou a
voz.
“Também acho.” Disse o homem que escondia o frasco de
Jhonny Walker no bolso esquerdo de seu paletó.
“Estamos fugindo da pauta investigativa dessa reunião,
senhores!” Falou o homem de cabelos brancos feito nuvens paralíticas.
“Não! Ainda estamos dentro da análise do plano puramente
estético da forma enquanto forma arquitetônica proposta pelo jovem que aqui se
faz presente.” Falou a voz misteriosa.
“MERDA!!”
Todos olharam dessa vez para o velhinho
cadeirante que se contorcia todo. “O DESPERTAR DE FINERGAN NÃO É MAIS A SÍNTESE
DO PENSAMENTO MODERNO. JOYCE É UM GÊNIO, MAS ESTÁ MORTO!! PROSSIGAM! PROSSIGAM”
“NÃO! NÃO! NÃO LIGUEM PARA O QUE ELE FALA”. Berrou o velhinho cadeirante.
“HÁ UMA
SONORIDADE EM HILDA. UM DESESPERO ÚNICO E BELO. NADA MAIS SE ESGOTA. Insistia a
voz enquanto a parte inferior que correspondia ao ânus do velhinho cadeirante,
começou a inchar e a inchar, de maneira que formou-se uma bola gigante de
inchaço e pus, até finalmente aquilo explodir cobrindo de merda todos os
cátedras que ali se faziam presentes. No entanto, todo aquele espetáculo
bizarro parecia não ter mais fim, pois que, do meio daquele escombro de merda e
vísceras humanas, eis que surge um CU enorme tentando a todo custo, manter-se
ereto. O escritor marginal que parecia já ter visto de tudo, era o único que
assistia passível toda aquela cena. O Cu olhou fixamente para o escritor
marginal e disse com belíssimo timbre e postagem de voz:
“Me desculpa todo esse constrangimento, meu querrido, mas
é que eu precisava cumprimentá-lo e agradecer por ter me libertado.” O escritor
marginal não sabia o que dizer. “Vamos tomar uma cerveja e conversarmos longe dessa
merda toda!” Propôs o cu.
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