domingo, 22 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE

O ANÃO DO AÇOUGUE

         A globalização industrial , apelidada de modelo Zona Franca, transferiu uma tragédia social da área rural para a cidade. O realismo também se transferiu. Não mais como expressão do trágico, mas agora como expressão do absurdo social e do absurdo como expressão artística. A estrutura social gerando sua estrutura textual. No rastro das literaturas épicas, líricas e trágicas, emerge a literatura cômica.
     Com a industrialização, Manaus passou a ser uma cidade absurda. Um dos maiores Produtos Internos Brutos e um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano. Um parque industrial High Tech, cercado por 16 comunidades indígenas e centenas de favela. O maior rio de água doce do mundo e a cidade com um dos piores abastecimentos de água potável. A cidade com maior número de igarapés e todos, tirando o Água Branca, no Tarumã, todos poluídos. Igarapés à disposição e um trânsito insuportável. Manaus é sim uma cidade absurda. Aliás, é a expressão do absurdo. Daí que qualquer outra percepção estética que não seja a perplexidade do absurdo será absurda, absurdamente deslocada ou desfocada.
      No rastro literário desta tradição, surge uma literatura do realismo cômico - fantastico e absurdo. Surge do submundo do cotidiano dos trabalhadores e do lupen(z)sinato urbano. Márcio Santana é um dos escritores que emerge neste contexto social e estético.
     O Anão do Açougue, O Homem Com a Abertura na Testa e O Desintupidor de Fossas são três de seus fanzines que li junto com ele, no reduto dos transgressores, em Manaus.
    São contos e expressões da literatura urbana - cômico - realista - fantástica - absurda do Amazonas.
   O Anão do Açougue é exemplar. Um trabalhador vivendo uma desdita amorosa conhece um anão e passa a ter com ele , inicialmente, uma grande relação de amizade, digamos assim. Depois, devido a potente ejaculação do anão quando se masturbava , e devido, também, o interesse comercial de um dono de putero nesta qualidade do anão, o trabalhador-narrador, " fodido e explorado" , como ele mesmo se define, passa a ver o anão com outros olhos. Uma situação ao mesmo tempo realista, cômica,absurda, mas que, pela aparente irrealidade, torna-se , também, fantástica. Real e irreal coexistindo para gerar uma nova realidade.
   Mas engana-se quem não acredita na verossimilhança da trama.
O trabalhador-narrador-observador narrando em terceira pessoa, não tira o cu da seringa: Ele é parte da trama , ele também requenta o submundo, como personagem secundária , é verdade, porém decisiva para que o enredo se estabeleça.
E o trabalhador-narrador é sofisticado. Ele para a narrativa e dialoga com o leitor, questiona sua descrença no fato e o ironiza: " Você não acredita não é, leitor? Mas eu estava lá e presenciei tudo".
   Dou gargalhadas com este conto. E não é fácil fazer o leitor rir.
Márcio Santana, porém, é muito melhor que seu crítico, que seu professor e melhor ainda que esta breve e sentimental apreciação crítica da obra. Nele, forma, conteúdo e vida estão conectados, encaixados. Ele é a própria obra.

Ribamar Mitoso (Escritor, dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas. Mestere MSC em Literatura Amazônica.) 

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