quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE III



SEPARAÇÃO

Naquele mesmo dia havia estourado toda a grana e voltei bem tarde para casa. Bêbado, fedido; aos pedaços. Tomei um banho demorado, bati uma punheta pensando na Dagmar e me enfiei na cama, ao lado de Selminha que dormia como uma pedra. Tive sonhos pesados. Num deles sonhei que eu era um imenso barco e que naufragava em merda. Meus pulmões se enchiam de merda. Me afogava em merda. Selminha me deu umas cotoveladas e eu despertei daquela premonição onírica-escrota. Ela, ao contrário, havia sonhado com cobra. Acordou cedo toda pronta e cheirosa me dizendo que havia sonhado com cobra:

“Sonhei com cobra esta noite e cobra é traição.”

“Quê cê quer dizer?”

“Que para mim chega, Mário Augusto!” Depois ouvi seus passos pela cozinha. O seu perfume forte. O toktok frio e seco dos seus saltos altos. Minha cabeça latejava. Tentei ligar a televisão, mas o controle estava sem pilha. Olhei e vi sua mala pronta no canto do quarto. Senti o cheiro de comida. Selminha sempre deixava tudo pronto antes de sair para trabalhar. Até ali, tudo bem. Mas o que fazia aquela sua mala pronta no canto do quarto? Não costumava ficar sobre o guardarroupa?

“O que tá acontecendo? Ainda são seis da manhã! E essa mala pronta?”

“Estou deixando esta casa. Saindo da tua vida. Não quero mais isto para mim. Chega, Mário Augusto!”

“Caralho, vamos conversar!”

“Não tem mais conversa entre a gente. Saio hoje da tua vida. Agora e já!”
Sentei à beira da cama, atordoado. Não sabia o que pensar. A verdade é que já não nos entendíamos algum tempo, e por conta disso, Selminha vivia prometendo me deixar. Entrei em pânico. Se Selminha me deixasse, eu estaria fodido. Quem iria me sustentar? Estava desempregado.

 “Vamos conversar, amor.”

“Amor uma ova! Vou deixar a comida pronta e o dinheiro do açougue. Depois tu te vira!” E caminhou até à porta. Havia muita raiva e veneno naquele toktok dos saltos. Eles me mandavam à merda. Sequer olhou para trás. Estava mesmo decidida. Depois que ela fechou duramente a porta na minha cara – arrastando aquela sua mala - é que vim sentir na pele que ela falava mesmo à sério. Selminha partiu. Fiquei grogue uns dias, sem saber definitivamente o que fazer. Não tinha uma profissão àquela altura da vida. Acho que nunca tive. Sempre dando cabeçadas nos muros. Na verdade queria ser escritor, mas escritor não é uma profissão e não dava dinheiro, além do mais – como ela mesma costumava dizer – literatura não põe comida na mesa. (Minha velha também vivia me dizendo isso). Embora me empenhasse o bastante, no fundo elas tinham razão: os livretos que eu escrevia não ajudavam muito.
TODO ARTISTA OU ELE FICA SÓ OU ELE PROGRAMA A MULHER
(Ecumênicus me falou certo dia sobre isso e eu fiquei pensando onde exatamente eu encaixaria esta máxima na minha vida).

Passei a beber o dobro do que bebia. Olhava a escuridão da janela e chorava sempre quando ouvia aquela música do filme AEROPORTO 77. Um dia me enchi de ficar enchendo a cara, olhando a escuridão da janela, e ouvindo aquela música triste do AEROPORTO 77 e fui até o açougue comprar comida. Foi aí então que o anão entrou na minha vida e tudo mudou...

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