SEPARAÇÃO
Naquele
mesmo dia havia estourado toda a grana e voltei bem tarde para casa. Bêbado,
fedido; aos pedaços. Tomei um banho demorado, bati uma punheta pensando na
Dagmar e me enfiei na cama, ao lado de Selminha que dormia como uma pedra. Tive
sonhos pesados. Num deles sonhei que eu era um imenso barco e que naufragava em
merda. Meus pulmões se enchiam de merda. Me afogava em merda. Selminha me deu
umas cotoveladas e eu despertei daquela premonição onírica-escrota. Ela, ao
contrário, havia sonhado com cobra. Acordou cedo toda pronta e cheirosa me
dizendo que havia sonhado com cobra:
“Sonhei
com cobra esta noite e cobra é traição.”
“Quê
cê quer dizer?”
“Que
para mim chega, Mário Augusto!” Depois ouvi seus passos pela cozinha. O seu
perfume forte. O toktok frio e seco dos seus saltos altos. Minha cabeça
latejava. Tentei ligar a televisão, mas o controle estava sem pilha. Olhei e vi
sua mala pronta no canto do quarto. Senti o cheiro de comida. Selminha sempre
deixava tudo pronto antes de sair para trabalhar. Até ali, tudo bem. Mas o que
fazia aquela sua mala pronta no canto do quarto? Não costumava ficar sobre o
guardarroupa?
“O
que tá acontecendo? Ainda são seis da manhã! E essa mala pronta?”
“Estou
deixando esta casa. Saindo da tua vida. Não quero mais isto para mim. Chega,
Mário Augusto!”
“Caralho,
vamos conversar!”
“Não
tem mais conversa entre a gente. Saio hoje da tua vida. Agora e já!”
Sentei
à beira da cama, atordoado. Não sabia o que pensar. A verdade é que já não nos
entendíamos algum tempo, e por conta disso, Selminha vivia prometendo me
deixar. Entrei em pânico. Se Selminha me deixasse, eu estaria fodido. Quem iria
me sustentar? Estava desempregado.
“Vamos conversar, amor.”
“Amor
uma ova! Vou deixar a comida pronta e o dinheiro do açougue. Depois tu te
vira!” E caminhou até à porta. Havia muita raiva e veneno naquele toktok dos
saltos. Eles me mandavam à merda. Sequer olhou para trás. Estava mesmo
decidida. Depois que ela fechou duramente a porta na minha cara – arrastando
aquela sua mala - é que vim sentir na pele que ela falava mesmo à sério.
Selminha partiu. Fiquei grogue uns dias, sem saber definitivamente o que fazer.
Não tinha uma profissão àquela altura da vida. Acho que nunca tive. Sempre
dando cabeçadas nos muros. Na verdade queria ser escritor, mas escritor não é
uma profissão e não dava dinheiro, além do mais – como ela mesma costumava
dizer – literatura não põe comida na mesa. (Minha velha também vivia me dizendo
isso). Embora me empenhasse o bastante, no fundo elas tinham razão: os livretos
que eu escrevia não ajudavam muito.
TODO
ARTISTA OU ELE FICA SÓ OU ELE PROGRAMA A MULHER
(Ecumênicus
me falou certo dia sobre isso e eu fiquei pensando onde exatamente eu
encaixaria esta máxima na minha vida).
Passei
a beber o dobro do que bebia. Olhava a escuridão da janela e chorava sempre
quando ouvia aquela música do filme AEROPORTO 77. Um dia me enchi de ficar
enchendo a cara, olhando a escuridão da janela, e ouvindo aquela música triste
do AEROPORTO 77 e fui até o açougue comprar comida. Foi aí então que o anão
entrou na minha vida e tudo mudou...
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