JESUS
No
dia seguinte, voltamos lá. Demos com o lugar entupido de gente. As pessoas
espremiam-se na escada. E com certeza não era por se tratar de uma sexta-feira.
Dia de grande movimento na viela Mauá. Todos ali estavam para ver o anão
ejacular. Tapajós já nos aguardava à porta:
“Como
ele está hoje, seu Mário?”
“Revigorado,
seu Tapajós!”
A
peãozada olhou e riu quando entrei com o anão. Como de costume sentamos nos
fundos, próximo ao extintor mais alegre. O lugar estava limpinho e com cheiro
de Bom Ar. Mas logo ficaria sujo. Bem sujo e fedorento. Bombom fazia seu número
costumeiro. Parecia mais lascívia. Ardente. O sêmen do anão havia tocado fundo
o seu coração e a deixado mais profissional. Ela acenou sorrindo quando nos
viu. Tapajós nos apresentou Cristal. Cristal era uma combinação de cabocla com
cearense. Estatura mediana. Magra, olhos claros. Cabelos louros, encaracolados.
Bem apanhada, a danadinha. Ficou na mesa com a gente. Calada. Tinha um ar mais
atrevido que a de Bombom. Mas tinha sido bem adestrada. Tapajós sabia adestrar
bem as suas meninas. Veio uma cerveja pra mesa. Os ventiladores trabalhavam espontaneamente
e com mais vigor:
“O
senhor notou como está a casa hoje, seu Mário?” Disse Tapajós, nos servindo.
“Bem
agitada, hein, seu Tapajós?”
“Olhe,
seu Mário, são anos ralando nesse lugar, desde que cheguei à Manaus, vindo de
Tocantins. E eu confesso ao senhor que nunca vi a casa assim, saindo pelo
ladrão. E isso aqui já foi bom, há uns anos atrás. As meninas eram ótimas.
Novinhas, durinhas. A Mel Trepadeira, a Joyce Bananinha, a Bruninha Boquete, a
Fernandona moedora de pica... Ah, isso aqui, seu Mário, era um paraíso. Todos
vinham para cá deixar seu santo dinheirinho. Mas depois, assim, num piscar de
olhos, veio a crise e isso aqui decaiu. As meninas debandaram. Uma revoada de
periquitos. Aquilo me partiu o coração.
Só me restaram a Bombom, Cristal e a negrinha que é só cobrir-lhe o rosto com a
bandeira do Brasil e pronto! Mas já estão cansadas e emburradinhas. Me dão
prejuízo. E olhe o senhor que sou um pai. Chegam às pencas do interior,
perdidinhas e maltratadas, e eu acolho todas elas. A negrinha, por exemplo,
chegou estragadinha do Anori. Dentes podres. Um hálito do cão. Cuidei dela e
hoje ganha honestamente o pãozinho dela. Sonha com dentes de ouro, a
pobrezinha. Bombom e Cristal é o que eu tenho de melhor por aqui. Seguram as
pontas. De fé. Aí o senhor me aparece com este anão e olhe o resultado agora.
Olhe pra isso, seu Mário! A casa cheia. Vamos faturar muita grana, meu amigo. Eu lhe digo!”
Fiquei
animado também e tomei uma golada da minha cerveja. Tapajós continuou falando
com nostalgia. Falou da sua vida. Da sua luta. As pessoas estavam impacientes
para ver o anão ejacular. Passei discretamente minhas mãos nas coxas de Cristal
e ela não disse nada. Estava séria. Sem dizer uma palavra. Fiquei ali brincando
com os meus dedos como quem não quer nada bem na entrada da sua buceta. Meu pau
já era um ferro em brasa. Mais gente chegava. Vi quando Jesus entrou.
Moreno-claro, alto, magro. Trazia enrolado nos punhos, um punhado de terços.
Uma figura, este Jesus. Sobrevivia dos terços que vendia nos puteiros e morria
de amores por Cristal. Chegou ao desatino de pedir-lhe em casamento. Parado à
porta, ele erguia a vista procurando por Cristal. Não largava o osso um só
instante. Outro aspecto interessante no moço Jesus é que mancava de uma das
pernas e não parava de sorrir. Sorria o tempo todo. Mesmo quando estava triste.
Ferido. Viria saber mais tarde que Jesus tinha um problema nos músculos faciais
decorrente de um derrame que sofrera e que o deixou para sempre com aquele
sorriso idiota congelado na cara. Jesus freqüentava o Delirium desde as vacas
gordas. Vivia juntando dinheiro para comprar uma casa e tirar Cristal da lama.
Mas Cristal só queria tirar proveito do seu coração. Não amava Jesus. Embora
ele fosse o seu melhor cliente, ela nunca o amou de verdade. “E agora mais este
me querendo roubar a Cristal.” Reclamou seu Tapajós, levantando-se.
“O
selior é o plai dlu anão?” Perguntou Cristal. Falava engraçado, Cristal. Tinha
a língua presa. Cuspi longe minha cerveja querendo rir. Controlei-me.
“Não,
minha querida. Apenas amigos. Sou seu empresário agora.”
“É
vledade qlele gloza longi?”
“É
sim, meu anjo.”
“Mlas,
asxim, dlaqui?”
“Dessa
mesma distancia de onde nós estamos agora, bebê.”
“É
plaplo dlo selior.” (Francamente não sei
se reproduzi bem a fala de Cristal, mas enfim.) Jesus sentou em uma mesa
próxima e acenou pra Cristal balançando os terços. Sorria como um idiota. Por
dentro, queimava em ciúmes. Não foi com minha cara, não, este Jesus. Não
conseguia conceber como um homem podia viver daqueles terços. Balançava os terços
demonstrando impaciência. Cristal pediu licença com sua fala engraçada e foi
até ele. Precisava trabalhar. Era bastante gostosa, Cristal. E como rebolava.
Mas eu ainda tinha a Bombom. E ela estava impossível àquela noite. Fazia sua
performance com uma garrafa de cerveja simulando uma masturbação. Estava
bêbada. Alegre. Sentia de longe seu cheiro de puta no cio. Agora sim, parecia
uma mulherzinha de verdade. Valente. Corajosa. Mais gente chegava. A casa já
inteiramente tomada. A grande horda acotovelava-se pelo salão. O chão de
madeira do Delirium tremia. Seu Tapajós andava de um lado para outro esfregando
as mãos. Olhei para Da Cruz e notei que seu pensamento estava longe. Ele olhava
triste vendo o globo girar. Falava pouco, o anão. Até ali, não havia notado
nada de errado com o meu camaradinha. Só mais tarde, é que eu viria perceber
algo de muito estranho que se processava nele cada vez que esporrava. Algo que
me tiraria o sono. O sono de todos. Mais calma, outra vez! Isto é mais pra
frente...
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