domingo, 29 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - PARTE VII

JESUS

No dia seguinte, voltamos lá. Demos com o lugar entupido de gente. As pessoas espremiam-se na escada. E com certeza não era por se tratar de uma sexta-feira. Dia de grande movimento na viela Mauá. Todos ali estavam para ver o anão ejacular. Tapajós já nos aguardava à porta:
“Como ele está hoje, seu Mário?”

“Revigorado, seu Tapajós!”

A peãozada olhou e riu quando entrei com o anão. Como de costume sentamos nos fundos, próximo ao extintor mais alegre. O lugar estava limpinho e com cheiro de Bom Ar. Mas logo ficaria sujo. Bem sujo e fedorento. Bombom fazia seu número costumeiro. Parecia mais lascívia. Ardente. O sêmen do anão havia tocado fundo o seu coração e a deixado mais profissional. Ela acenou sorrindo quando nos viu. Tapajós nos apresentou Cristal. Cristal era uma combinação de cabocla com cearense. Estatura mediana. Magra, olhos claros. Cabelos louros, encaracolados. Bem apanhada, a danadinha. Ficou na mesa com a gente. Calada. Tinha um ar mais atrevido que a de Bombom. Mas tinha sido bem adestrada. Tapajós sabia adestrar bem as suas meninas. Veio uma cerveja pra mesa. Os ventiladores trabalhavam espontaneamente e com mais vigor:

“O senhor notou como está a casa hoje, seu Mário?” Disse Tapajós, nos servindo.

“Bem agitada, hein, seu Tapajós?”

“Olhe, seu Mário, são anos ralando nesse lugar, desde que cheguei à Manaus, vindo de Tocantins. E eu confesso ao senhor que nunca vi a casa assim, saindo pelo ladrão. E isso aqui já foi bom, há uns anos atrás. As meninas eram ótimas. Novinhas, durinhas. A Mel Trepadeira, a Joyce Bananinha, a Bruninha Boquete, a Fernandona moedora de pica... Ah, isso aqui, seu Mário, era um paraíso. Todos vinham para cá deixar seu santo dinheirinho. Mas depois, assim, num piscar de olhos, veio a crise e isso aqui decaiu. As meninas debandaram. Uma revoada de periquitos. Aquilo me  partiu o coração. Só me restaram a Bombom, Cristal e a negrinha que é só cobrir-lhe o rosto com a bandeira do Brasil e pronto! Mas já estão cansadas e emburradinhas. Me dão prejuízo. E olhe o senhor que sou um pai. Chegam às pencas do interior, perdidinhas e maltratadas, e eu acolho todas elas. A negrinha, por exemplo, chegou estragadinha do Anori. Dentes podres. Um hálito do cão. Cuidei dela e hoje ganha honestamente o pãozinho dela. Sonha com dentes de ouro, a pobrezinha. Bombom e Cristal é o que eu tenho de melhor por aqui. Seguram as pontas. De fé. Aí o senhor me aparece com este anão e olhe o resultado agora. Olhe pra isso, seu Mário! A casa cheia. Vamos faturar muita grana, meu  amigo. Eu lhe digo!”
Fiquei animado também e tomei uma golada da minha cerveja. Tapajós continuou falando com nostalgia. Falou da sua vida. Da sua luta. As pessoas estavam impacientes para ver o anão ejacular. Passei discretamente minhas mãos nas coxas de Cristal e ela não disse nada. Estava séria. Sem dizer uma palavra. Fiquei ali brincando com os meus dedos como quem não quer nada bem na entrada da sua buceta. Meu pau já era um ferro em brasa. Mais gente chegava. Vi quando Jesus entrou. Moreno-claro, alto, magro. Trazia enrolado nos punhos, um punhado de terços. Uma figura, este Jesus. Sobrevivia dos terços que vendia nos puteiros e morria de amores por Cristal. Chegou ao desatino de pedir-lhe em casamento. Parado à porta, ele erguia a vista procurando por Cristal. Não largava o osso um só instante. Outro aspecto interessante no moço Jesus é que mancava de uma das pernas e não parava de sorrir. Sorria o tempo todo. Mesmo quando estava triste. Ferido. Viria saber mais tarde que Jesus tinha um problema nos músculos faciais decorrente de um derrame que sofrera e que o deixou para sempre com aquele sorriso idiota congelado na cara. Jesus freqüentava o Delirium desde as vacas gordas. Vivia juntando dinheiro para comprar uma casa e tirar Cristal da lama. Mas Cristal só queria tirar proveito do seu coração. Não amava Jesus. Embora ele fosse o seu melhor cliente, ela nunca o amou de verdade. “E agora mais este me querendo roubar a Cristal.” Reclamou seu Tapajós, levantando-se.

“O selior é o plai dlu anão?” Perguntou Cristal. Falava engraçado, Cristal. Tinha a língua presa. Cuspi longe minha cerveja querendo rir. Controlei-me.

“Não, minha querida. Apenas amigos. Sou seu empresário agora.”

“É vledade qlele gloza longi?”

“É sim, meu anjo.”

“Mlas, asxim, dlaqui?”

“Dessa mesma distancia de onde nós estamos agora, bebê.”


“É plaplo dlo selior.” (Francamente não sei se reproduzi bem a fala de Cristal, mas enfim.) Jesus sentou em uma mesa próxima e acenou pra Cristal balançando os terços. Sorria como um idiota. Por dentro, queimava em ciúmes. Não foi com minha cara, não, este Jesus. Não conseguia conceber como um homem podia viver daqueles terços. Balançava os terços demonstrando impaciência. Cristal pediu licença com sua fala engraçada e foi até ele. Precisava trabalhar. Era bastante gostosa, Cristal. E como rebolava. Mas eu ainda tinha a Bombom. E ela estava impossível àquela noite. Fazia sua performance com uma garrafa de cerveja simulando uma masturbação. Estava bêbada. Alegre. Sentia de longe seu cheiro de puta no cio. Agora sim, parecia uma mulherzinha de verdade. Valente. Corajosa. Mais gente chegava. A casa já inteiramente tomada. A grande horda acotovelava-se pelo salão. O chão de madeira do Delirium tremia. Seu Tapajós andava de um lado para outro esfregando as mãos. Olhei para Da Cruz e notei que seu pensamento estava longe. Ele olhava triste vendo o globo girar. Falava pouco, o anão. Até ali, não havia notado nada de errado com o meu camaradinha. Só mais tarde, é que eu viria perceber algo de muito estranho que se processava nele cada vez que esporrava. Algo que me tiraria o sono. O sono de todos. Mais calma, outra vez! Isto é mais pra frente...

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