sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O ANÃO DO AÇOUGUE - IV

 A SOLIDÁO É UMA PEDRA TUMULAR.

Era uma manhã mais ou menos como esta: cinza e soluçante. Eu me recuperava mais ou menos da perda. Entrei naquele açougue para comprar carne. Um anão saiu dos fundos e veio me atender. Tomei um susto. Nunca tinha visto aquela criaturinha antes. Conversando com ele, me disse que já estava ali há anos, eu é que nunca havia reparado nele.
“Como pode isso ter acontecido, não é mesmo meu camaradinha?” Brinquei. O anão que se chamava Da Cruz, fez um gesto amigável do tipo, Ah, deixa pra lá. Fui para casa pensando no anão. Seu aventalzinho sujo de sangue. Os olhos tristes e baixos de um cãozinho desamparado atestavam cuidados paternos. O anão preencheria o meu vazio. No dia seguinte, voltei lá para conversar um pouco mais com o anão:
 “Escuta, meu camaradinha, cê gosta do que faz aqui?” O anão me olhou assim e disse:
“Pra ser sincero, meu patrão, não gosto, não. Ganho mal e já não posso mais pagar o aluguel.”
“Quê cê sabe fazer?”

“Sei cozinhar e muito bem.”

“Quer vir morar comigo?” Os olhinhos do anão brilharam. Aquilo quis dizer um sim. Levei o anão para morar comigo. Não sei viver sozinho. A solidão é uma pedra tumular...

V – O ANÃO

Era estranho ter um anão em casa. Mas Da Cruz estava me saindo melhor que a encomenda: lavava, passava, cozinhava. Passou a cuidar das minhas unhas também. Pés e mãos. Coisa que Selminha já não fazia mais. Quando a mulher se descuida das unhas do marido, é porque sua devoção por ele acabou. A devoção de Selminha por mim tinha acabado há muito tempo. Eu é que ainda não havia sacado isso ou não queria ver. Mas voltamos ao anão. Ele e eu ficamos amigos. Como se fossemos marido e mulher de verdade bem no início de uma relação. Nos fins de semana – para compensar todo o seu empenho doméstico – eu o levava para passear no cais. Mostrava-lhes os navios como fazia meu finado pai. Numa ocasião, expliquei a ele:

“Meu pai trazia-me sempre aqui para olhar os navios. Mas eu não sou seu pai, entendeu?” Ele apenas ria, divertindo-se com os mergulhões. Depois íamos bebericar pelos botecos adjacentes da orla. As pessoas olhavam para nós dois. Era divertido. Os amigos de copo diziam:

“Mário Augusto enlouqueceu! Deixou Selminha para viver com um anão.” Mas eu não ligava muito pra isso, não.  Havia retomado minha ordem cerebral. Um sopro novo de vida, o anão me trouxe. Lia para ele os meus contos. Velhos e novos. Tinha agora com quem compartilhar as minhas estórias malucas. Selminha não tinha mais paciência de ouvir minhas estórias. Achava-as absurdas demais. Dizia que eu não tinha visão romântica. Acho que nunca tive mesmo. Mas o anão gostava do que eu escrevia. Ouvia minhas estórias com atenção enquanto batia as roupas no tanque. Aqui ou ali, um palpite. Experimentava uma felicidade momentânea ao lado daquela criaturinha que vi de repente, surgir. Sim, surgir. Da Cruz era uma prova empírica daquilo que sempre acreditei: anões não nascem. Surgem.

Depois que a grana do Inseguro-Desemprego acabou, a coisa ficou preta de verdade. Avisos de cortes na água, luz, telefone... Precisava arranjar um trampo qualquer. Já estava ficando desesperado quando – certa noite, ao regressar para casa – dei com uma cena estranha e engraçada: o anão masturbava-se freneticamente no sofá da sala, assistindo a um dos meus filmes pornôs. Ele não tinha dado por mim ainda e seguia curvo com a punheta. O rosto transformado. Falava um dialeto estranho enquanto punhetava-se. Segurei a risada. Não queria atrapalhar. Então o vi soltar um urro e em seguida ejacular a um raio de uns três metros mais ou menos – que era a distância exata que separava o sofá da televisão. O sêmen atingiu em cheio o aparelho, cobrindo-lhe toda a tela. Fiquei olhando para aquilo aterrorizado, sem acreditar. O sêmen era dourado e escorria grosso e pegajoso pela tela da TV. O piso da sala
recebia os pingos grossos que caiam em camaralenta, provocando um som oco e assustador. O homúnculo era sem dúvida o cara que mais ejaculava no mundo. Cogitei. Não me ocorrera de imediato o plano que eu viria desenvolver mais tarde. O que senti naquele momento foi pena do anão. Muita gala retida. Um tonel. Pensei em levá-lo a um stripper para ele aliviar a tensão.


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