O FODA NÃO É A SUBIDA. É A
QUEDA.
O
anão enfim, foi anunciado. Bombom ficou onde estava. Já não se importava mais
em se tornar alvo do anão. De receber sua gala. O tiro daquela vez foi certeiro em seu
peito e ela foi jogada para trás com o impacto. O povaréu foi abaixo. Bombom ao
chão, toda aberta, lambia agora com prazer o sêmen dourado do anão que lhe
banhara todo o corpo. Lambuzara-se toda. O líquido escorria até a ponta do
tablado caindo lentamente no piso de madeira. Disse brincando para um dos
bebuns que bebia ao meu lado, que o sêmen do anão era sagrado. Uma espécie de
chá alucinógeno mais potente que o Ayuasca. Foi o que eu disse. Ele correu para
aparar com o copo. A notícia se espalhou. Logo todos queriam um pouco. Espremiam-se
para receber goela abaixo o sêmen do anão. Eles acreditavam nisso. Alguns
chegaram a afirmar que viam luzes douradas. Que se sentiam enormemente
purificados. Naquele momento percebi o quanto é fácil enganar as pessoas. É por
isso que as Igrejas existem. Ganhei alguns trocados extras comercializando o
sêmen do anão no mercado negro. O Delirium nunca mais foi o mesmo. Todos os
dias o lugar recebia um contingente imenso de punheteiros vindo de todos os
pontos da cidade. Seu Tapajós passou a cobrar a entrada. E com isso,
obviamente, foi entrando mais e mais dinheiro na casa. Tornei-me seu sócio.
Sugeri que ampliássemos o lugar para comportar a multidão que jorrava casa à
dentro. Seu Tapajós alugou o prédio ao lado. O lugar aumentou de tamanho. Uma a
uma, as meninas voltavam: Mel Trepadeira, Joyce Bananinha, Bruninha Boquete,
Fernandona Moedora de pica... Foram chegando mais e mais garotas querendo
trabalhar na casa. Lembro-me de Mel. Era incrível. Escalava o ferro com sua
buceta. Ia bem alto no céu e voltava. Daí a razão do apelido: Mel Trepadeira.
Mel reclamava que a altura do ferro era pequena demais. Uma afronta. Podia ir
mais longe. Sugeriu que aumentássemos o forro da casa. E foi o que fizemos.
Àquela altura tínhamos bastante dinheiro no caixa. Mandávamos ver. Mandei construir um
pequeno apartamento para mim e para o anão e passamos a morar naquele bordel.
Na parte mais alta daquele prédio. Todas as manhãs, com uma doce ressaca, eu
abria os janelões portugueses e via toda aquela parte da cidade: a Igreja
Matriz, o porto Hidroviário, a cúpula do Teatro Amazonas, o Holland American
Line ancorado, com toda sua pungência... Manaus nunca me foi tão bela. Tão
fresca. Tão doce. Me senti o rei. Insolente. Esbanjador. Tinha dinheiro. Todas
as mulheres que eu queria. Mulheres sujas. Mulheres limpas. Todos os buracos.
Metia em todos os buracos. Metia. Metia. Metia. Metia mesmo pra valer, como se
cada buraco daquele fosse o último da face da terra. Metia com fúria. Era como
o anão ejaculando. Desisti de escrever. Não me interessava mais escrever.
Queria só foder. Beber. Curtir! Para quê perder tempo escrevendo? Tentando
ganhar a vida como escritor se eu tinha o mundo pela frente? Eu tinha agora uma
janela nos altos de um sobrado na viela Mauá que se abria todos as manhãs para
eu vislumbrar as estações daqueles anos loucos. Mas não pensem que esqueci do
anão. Quando regressei de minha primeira e única viagem de férias da Ásia,
trouxe-lhe do Japão um quimono dourado. Feito sob medida para ele. Estreou o
quimono numa noite literalmente de gala. Ficou perfeito e alinhado no quimono
que lhe dei. As putas o sediavam naquele quimono, mas ele sempre broxava.
Cogitei que o problema tivesse na cabeça do anão. Algum trauma de infância, sei
lá. Paguei-lhe uma profissional da área para cuidar da sua cabeça. A melhor da
cidade. Mas não adiantou muito, não. O anão continuou broxando.
“Seu
Mário – disse-me a psicóloga em seu consultório – o homem que broxa é o homem
que se torna homem de verdade.” Não esqueço nunca mais aquelas palavras
terríveis. Parei de me preocupar com isso. Da Cruz ejaculando e proporcionando
felicidade a todos, era o que importava. Ele agora, metido em seu quimono
dourado, ejaculava do tablado sobre a multidão. Todos se banhavam com o esperma
do anão. Viam luzes. Visões. Lambiam-se como animaiszinhos. Alguns caíam de
cara na poça dourada que se formava no chão de madeira. Prometi a Da Cruz,
levá-lo para conhecer Catar no ano seguinte. Mas ficou só na promessa. O anão
nem sonhando podia arrastar seus pészinhos dali. Ordem do seu Tapajós. E o
tempo foi passando...
***
Um
dia, Jesus foi ter comigo. Estava bastante abatido. Bebendo demais. Havia
perdido definitivamente Cristal para um fiscal da receita que era comum e que
freqüentava o Delirium. Queria minha ajuda:
“Fale
com ela, seu Mário. Ela está cega. Tudo isso aqui vai passar.” Ouvia o
insolente enrolado em meu robe indiano. Fumava meu cachimbo sossegado, olhando
da varanda, a rua lá embaixo. Me sentia um autentico Al Capone decidindo o
destino das pessoas. Todos vinham pedir conselhos. E aquele foi o mais idiota que
ouvi:
“Olha,
homem, Cristal não lhe ama. Por que não a deixa em paz e pare de sofrer como um
idiota.” Disse pra ele. Jesus olhou-me daquele jeito e disse:
“Preste
bem atenção, seu Mário: o problema não é a subida, é a queda.” E se foi
mancando e balançando os terços. Fiquei com aquilo formigando na cabeça. Jesus
era um idiota. Derrotado. Nunca foi com a minha cara mesmo. Depois daquela
audiência, o sujeito relaxou de aparência completamente. Deixou a barba e o
cabelo crescer. Andava sujo, em andrajos, pelos arredores da Matriz, parecendo
um messias esquizofrênico. Pregava o dia inteiro na porta do Delirium, dizendo:
“O anão é uma mentira! O anão é uma
mentira! Mas ninguém lhe dava ouvidos. Havia aquele sorriso congelado em
seu rosto. Quem levaria o cara a sério? O fato é que Jesus iniciou uma
verdadeira cruzada contra o Delirium Drinks. Reunira em torno dele uns poucos
séquitos que haviam se desmembrado da Igreja Universal, e numa tarde – como o
exército de brancalione – a corja de fanáticos subiu enfurecida as escadas do
bordel. Houve uma confusão danada. Jesus gritava gesticulava da porta: “O anão é uma mentira! O anão é uma mentira! Voltem
às suas vidas!” Um dos bêbados tomando aquilo como um despropósito, arremessou
Jesus escada abaixo. O infeliz torceu o pescoço e morreu. Fui olhar o corpo lá
embaixo. Mesmo morto, ele ainda sorria. Não veio a polícia. Não veio o jornal. O
investigador responsável pela investigação do crime, era frequentador da casa,
e que portanto, não deu importância ao caso. Nem a própria Cristal que no mês
seguinte, casara com o cara da Receita que era comum. Jesus era mais um
esquizofrênico. E tudo voltou ao normal no Delirium. Sem mais aborrecimentos...