segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O LAMBEDOR DE BUCETAS

PARTE I

JOSEPHINE

 Talvez lhes devesse falar de Josephine, afinal.Pois bem. Ela de fato apareceu em minha casa para  minha grata e deleituosa surpresa. E estava divinamente maravilhosa trajando um vestidinho preto e curto colado ao corpo com desespero e sensualidade. Eram seis daquele dia e chovia maliciosamente uma chuva amiudada e doce vestida de lingerie... e Josephine estava ali, atrás da porta, e lhes asseguro que esta mulher é de extraordinária beleza que não sei bem definir...Enfim, ela me disse:
"Vais ficar aí parado só olhando, Mário Augusto? Não vai me convidar para entrar?"
Torno a repetir, ela estava divinamente sensual naquele vestidinho preto e curto colado ao corpo com desespero e sensualidade que meu pau despertou de seu sono de três longos dias de abstenção... Francamente não sei se Josephine estava ali por causa de mim ou pelo Marido Complacente do Marquês, o qual eu havia fielmente prometido a ela. Ah, bolas, mas isso não importa, eu não poderia deixar escapar aquela oportunidade ímpar de fazê-la entrar e de tê-la só para mim em minha alcova pecadora, após dias intermnáveis de espera...
"Ah, me desculpa, pode entrar! É que ainda estou extasiado com sua aparição..."
"Deixa de bobagens! Achou que eu não viria?"
"Para ser franco, sim. Mas isso é o que eu chamo de profunda devoção ao Marquês..."
Ela foi entrando devagar e o seu perfume inebriante de fêmea foi se espalhando e tomando conta da casa toda...

II

Ah, Cristo,  eu já ia até me esquecendo dos saltos que ela usava e que a deixava em privilegiada altura infinitamente superior a minha. Eles desfilaram vagarosamente ao longo da sala dedilhando com as suas pontas venenosas e afiadíssimas o assoalho da casa como alguém que dedilha um Bolero de Ravel... A divinal e encantadora criatura então sentou-se ao sofá e cruzou suas longas e tentadoras pernas que eram de formas modeladas e a que esse espetacular atrativo aos olhos juntava-se ainda a vivacidade simulada do espírito e um amor ainda vivo e latente pelos prazeres proibitivos da carne - tudo isso a mergulhar-me em profundo estorpor e extase, e que portanto, já tonteamente inflamado, e por não achar uma expressão  convenientemente cabível e menos primitiva para expressar aquele momento de rara contemplação a que é dado aos animais da mais vil e baixa casta, escapou-me furtiva e animalescamente esta frase pobre e infeliz, mas tão natural quanto a existência de um cachorro:
"Você como sempre linda, Josephine!"
"Você e seus elogios baratos, Mário Augusto! Onde está o Marquês?"
"Esta aqui, é claro,  pelo Marquês que lhe prometi, eu já ia esquecendo..."
"E também pelo Port Noir, lembras?
Putz, como dizer a ela que a grana não deu para comprar o Port Noir, por se tratar de um vinho caríssimo, mas a vida nos imprime ao espírito, a cautela e a perspicácia de um exímio enxadrista que calcula as variantes do seu oponente  antes mesmo de cada movimento seu. O que quero lhes dizer, senhores,  é que eu havia deixado gelando um  Barolo, Safra 90, para aquela ocasião. O gosto não é superiormente o mesmo de um Port Noir, mas é doce e encantadoramente suave e que estava dentro de meu orçamento. No fundo, vinho é vinho, e se tratando de Josephine, especificamente, ela não faria qualquer objeção a respeito. Sei perfeitamente de seu jogo; cada movimento frio de sua peça na captura do meu rei.  A natureza doce e ardil de Josephine, sem que ela mesma saiba, acaba me ensinando como penetrar no âmago feminino sem causar maiores transtornos. Este é o jogo sublime da sedução a que estamos absorvidos eternamente. Ah, Josephine, retorno para afirmar  aos senhores que nunca na vida vi algo de semelhante beleza, e que a própria mãe dos amores não me teria dado tantos prazeres lascívos só em contemplar...
As mulheres são uma rocha que devem ser penetradas bem devagar...
"Esta frase é sua ou do Marquês?"
"Por que? Você gostou?"
"Me pareceu atraente e original...O que tens escrito?"
"Nada de relevante...Mas vou buscar o vinho..."
"Sabe, Mário Augusto, no fundo me amarro nesse teu saudosismo anacronicamente romântico e sarcástico, ele me adoça a alma e me faz acreditar na humanidade falida dos homens..."
"Sério, meu doce? Saiba que todo homem é um amálgama..."
"Mas então, me diga, pareço uma puta vindo até aqui vestida desse jeito?"
"A mais vil e encantadora das putas do mais alto clero..."
"Você é sua língua afiada, Mário Augusto. Mas no fundo tens razão: Toda mulher é uma puta dissimulada."
"Esta conversa toda me fez lembrar os passeios matutinos da senhora de Tourville. A pintura mais honesta da mulher pintada pelo Marquês... Vou providenciar o vinho."
Deixei-a um instante sozinha na sala e fui de fato apanhar o vinho, não sem antes, é claro, colocar o Bolero de Ravel para tocar, para segundos depois, ouvi-la da cozinha com sua voz rouca e atraente, dizer-me:
"Faz isso de propósito porque sabes que sou uma apaixonada por Ravel."
"Oi?" (Eu a ouvira, é claro, só queria ter a certeza que ela ainda estava lá, apetecível como um bombom, a minha espera.)
"Adoro Ravel, eu disse."
A chuva havia engrossado um pouco, e ela por certo (a chuva) iria aumentar sua voluptuosidade e glamour, encerrando-nos definitivamente ali, por longas e prazerosas horas. Voltei imediatamente com o vinho e o depositei sobre a mesinha de vime, colocada no centro da sala.
"Ravel é uma torrente de gozo que vai crescendo dentro de nós...E tudo graças a Ida que o encomendou a Ravel para criação de um balé á moda espanhola e ele então reajuntou algumas peças antigas e recentes para piano e criou uma nova obra que na época, causou uma grande polêmica, pois que Ida apimentou a música como uma coreografia sensual..."
"E tornaram-se amantes?"
"Não tenho essa informação, mas certamente que sim. Ravel era um homem interessante e Ida, uma mulher virtuosa..."
"Sempre me encanta esse seu eruditismo. Mas isto não é um Port Noir! Não havíamos combinado um Port Noir? O que houve? Não minta!"
Como nos é impossível fugir da mentira  que é uma verdade disfarçada, então eu disse:
"É que não havia um Port Noir, então fui obrigado  a optar por um Barolo Safra 90."
"Um vinho Carcamano..."
"Contudo, um vinho. Prove e irá gostar..."
"Como se não entendesse de vinhos...Encha meu copo!"
Tratei de encher o seu copo que ela segurava com extrema suavidade e delicadeza e imediatamente senti de perto o cheiro esmaltado de suas unhas pontiagudas pintadas de vermelho misturando-se com o aroma embriagante do vinho. Três dos aromas são imprescindíveis ao olfato masculino:  o cheiro esmaltado das unhas de uma mulher, o cheiro do vinho e o doce aroma de uma buceta...


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