terça-feira, 26 de novembro de 2013

O LAMBEDOR DE BUCETAS

PARTE V

Nesses longos e torturantes dias chuvosos em que fiquei ali de prontidão na varanda de minha casa na incansável espera idolátrica por Josephine mantive-me fiel ao Marquês que me domesticava e encorajava-me o espirito com suas fustigadas que misturavam-se com os relâmpagos e açoites surdos da chuva no telhado de zinco da minha casa, devolvendo-me, assim - o velho e bom Marquês - o bom senso e a esperança que eu havia perdido da humanidade. Vivia ali então inocentemente todas as prefigurações do amor-paixão, ausência-presença, sofrimento-morte, evidenciando pois, um comportamento que merecia total desprezo por conta do Marquês  que me instruía ao relembrar que só a presença do objeto do desejo é o que conta. Presença e presente. Movimento e gozo. Pois que o objeto do desejo é o ser, e que o platonismo á moda de Goethe, a compaixão, a fraternidade, a caridade e demais sentimentos equívocos da razão, são sentimentos reservados aos que preferem se escravizar ao invés de deixar fluir o curso livre de suas paixões. Em síntese, o Marquês quis dizer-me sabiamente que as virtudes são sentimentos reservados aos fracos de espírito. E eu havia que concordar com ele e que portanto me era obrigado a acatar aquelas suas sábias e ríspidas palavras, até porque considerando-me um lambedor de bucetas, sabia por excelência o que ele reafirmava-me acerca da liberdade. E seguimos, pois, em meio ao temporal debatendo aquele ponto tão crucial á nossa existência.
                                                                       ***

A medida em que a chuva aumentava sua doce cólera, eu me diluía gradativamente invólucro na minha solidão miserável e desumana, a qual partilhava com o Marquês e com o meu cão Príapo que prostrava-se quieto ao ouvir atentamente os conselhos do velho libertino. Sim, todo homem tem um cão para preencher os ossos do vazio. Eu tinha o meu, chamado Príapo. Tudo que resta de um casamento catastrófico, senhores, é um cachorro. Príapo, portanto, partilhava desta minha mutilação secreta e desta minha nova expectativa acerca daquela espera. E a esta altura, se ia mais uma garrafa de Sauvignon e mais uma punheta frustrante. Mas neste meio termo, gostaria de falar sobre a função da língua ao deslizar sobre a buceta e dizer-lhe do fundo do meu coração palpitoso e flamejante que, ao contrário do que se pensa, a língua não domestica. Não se iluda. Por mais que o cavalheiro deste outro lado da tela suponha ser um exímio lambedor de bucetas, e isto a mim não caberá duvidar - não julgue que com isso você a aprisionará para sempre. Considere isso uma tolice bestial e ingênua, própria do gênero masculino que muitas vezes me envergonha e a qual reprovo a fundo. A língua não domestica, volto a dizer. Ou melhor, não aprisiona. (Infeliz da mulher que se entrega a esse sentimento prisional.) Ao contrário, ela liberta. Provocará neste pequeno pomarzinho do amor, outras variações e buscas por prazeres adversos. A buceta nasceu para ser livre como um passarinho, e em função disso, fazer suas escolhas e experimentações que a priori poderá nos soar estranhos e doentios, mas que são perfeitamente naturais. Faz parte do prazer, e todo o prazer, como há pouco me afirmava o Marquês, é uma eterna e incansável busca pela consolidação do espírito e da carne. Por mais que seja obsequioso e primoroso o efeito de uma lambida, a buceta sempre rejeitará todo tipo de relação que implique a ela total dependência entre indivíduos - mas não por desprezo absoluto ao amor, marca da carência e da subserviência humana, quero deixar claro, mas porque toda buceta nasceu para ser livre. Foi a esse ponto da verdade a que chegamos, eu e o Marquês. E com base nisso, e também aproveitando o breve ensejo vou lhes narrar a história de Jean e Simone, que tudo tem a ver com este parêntese acidental a que forçosamente fui obrigado a abrir...

                                                        desenhos: Namio Harukaua

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