Ah, meu velho,
tua fórmula continua seca. Direta. Um soco no estômago de quem vacila. Vômito de um bêbado liquidado. Vísceras de
amoras. Diarréia de palavras polifônicas. E algo mais de visceral e verdadeiro.
Assim defino, Como Explodir Caixas
Eletrônicos, teu mais recente trabalho.
Tu que também escrevestes o Sindicato dos Inválidos e o livro de Tanatos
quando ainda moravas nos porões do Chalé, da Sete de Setembro. Pois o
plano é este,
riscado no papel que está no prato pronto para ser digerido. A colher
sai e
entra na boca, nesse círculo vicioso das tragédias humanas. Como é
gostoso
comer as coisas em pedaços... Pois esqueçamos por um instante o deleite
estético. Tuas palavras nos são servidas realisticamente em pratos duros
de hospícios. A beleza está na feiúra! Na fome! Na loucura
da verdade dita! Tua obra trata, com efeito, demonstrar dolorosamente a
realidade das coisas. As palavras brigam raivosas e famintas dentro
delas
mesmas, antropofagicamente. Explodem-se
tornando-se fagulhas líricas em céus de intestinos delgados.
Bombons-bombas.
Bananas de dinamites: “Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas.”
Há
qualquer coisa de anarco-surrealista- bretoniano em tuas palavras
desuniformizadas
que reivindicam a ruptura com o sistema vigente, econômico, político,
social,
moral. Sombriamente lanço-me de volta ao pensamento de um anarquista
francês
que sintetizo em poucas linhas: “Alhures, pode-se então, perguntar-se
com certa
inquietação o que nos reserva um mundo onde inúmeras relações cegas são
estabelecidas. Por exemplo, entre o homem e o objeto não realmente
desejado,
escolhido, trabalhado, interpõem-se a máquina estacando a emoção. As
formas
tornadas anônimas são projetadas por um gesto automático que, excluindo
toda
intervenção, assepsia o ambiente até o vazio absoluto. Ainda que não
tenha se apercebido desse
pequenos detalhe analogicamente observados por mim – Como Explodir
Caixas
Eletrônicos toca sensivelmente nesta
questão que é pluriuniversalmente atual. Daí a importância e grandeza da
tua obra.
Como Explodir
Caixas Eletrônicos, é um opúsculo de 04 páginas somente, mas que o leitor o lerá
de um arroto só, e que certamente o fará repensar esse mundo atual e decadente
e desumano em que vivemos.
Eis um trecho
que colhi:
(...) “A
bateria do homem tá fraca. Comemos manteiga de breu com pão de borracha. Na mesa, o plano: como explodir caixas
eletrônicos. Mordo o papel. A coisa lambe o
plástico. O fio de tênia se rompe no intestino delgado. A língua
solitária lambe o vazio. As cédulas de dinheiro. Iluminar a rua da noite com
velas nucleares. Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas. Essa gente não
agüenta um curto circuito. Explodir a massa consumidora pra salvar a carne viva
que está congelada na geladeira. Vomitei graxa. Consumo sumo. As coisas que
fabricamos tem sentimento. Nós produtores estamos dormentes. Vivo com esta
cabeça de plástico nu dentro da roupa. Sonho explodir a realidade. Vidros de
remédio. Canos. Cabos. Do tudo, todas as partes. Todas as pontas são meladas de
cuspe. De maneira bem lenta as coisas são colocadas no ânus. A pia geme de
orgasmo recebendo os jatos de água que saem da torneira entrando no ralo.
As coisas que
fabricamos nos consomem. Somem...
SÓSCREVO,
Márcio Santana
SÓSCREVO,
Márcio Santana
Nenhum comentário:
Postar um comentário