sábado, 16 de março de 2013

COMO EXPLODIR CAIXAS ELETRÔNICOS

Ah, meu velho, tua fórmula continua seca. Direta. Um soco no estômago de quem vacila. Vômito de um bêbado liquidado. Vísceras de amoras. Diarréia de palavras polifônicas. E algo mais de visceral e verdadeiro. Assim defino, Como Explodir Caixas Eletrônicos, teu mais recente trabalho.  Tu que também escrevestes o Sindicato dos Inválidos e o livro de Tanatos quando ainda moravas nos porões do Chalé, da Sete de Setembro. Pois o plano é este, riscado no papel que está no prato pronto para ser digerido. A colher sai e entra na boca, nesse círculo vicioso das tragédias humanas. Como é gostoso comer as coisas em pedaços... Pois esqueçamos por um instante o deleite estético. Tuas palavras nos são servidas realisticamente em pratos duros de hospícios.  A beleza está na feiúra! Na fome! Na loucura da verdade dita! Tua obra trata, com efeito, demonstrar dolorosamente a realidade das coisas. As palavras brigam raivosas e famintas dentro delas mesmas, antropofagicamente.  Explodem-se tornando-se fagulhas líricas em céus de intestinos delgados. Bombons-bombas. Bananas de dinamites: “Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas.” Há qualquer coisa de anarco-surrealista- bretoniano em tuas palavras desuniformizadas que reivindicam a ruptura com o sistema vigente, econômico, político, social, moral. Sombriamente lanço-me de volta ao pensamento de um anarquista francês que sintetizo em poucas linhas: “Alhures, pode-se então, perguntar-se com certa inquietação o que nos reserva um mundo onde inúmeras relações cegas são estabelecidas. Por exemplo, entre o homem e o objeto não realmente desejado, escolhido, trabalhado, interpõem-se a máquina estacando a emoção. As formas tornadas anônimas são projetadas por um gesto automático que, excluindo toda intervenção, assepsia o ambiente até o vazio absoluto.  Ainda que não tenha se apercebido desse pequenos detalhe analogicamente observados por mim – Como Explodir Caixas Eletrônicos  toca sensivelmente nesta questão que é pluriuniversalmente atual. Daí a importância e grandeza da tua obra.
Como Explodir Caixas Eletrônicos, é um opúsculo de 04 páginas somente, mas que o leitor o lerá de um arroto só, e que certamente o fará repensar esse mundo atual e decadente e desumano em que vivemos.
Eis um trecho que colhi:
(...) “A bateria do homem tá fraca. Comemos manteiga de breu com pão de borracha.         Na mesa, o plano: como explodir caixas eletrônicos. Mordo o papel. A coisa lambe o  plástico. O fio de tênia se rompe no intestino delgado. A língua solitária lambe o vazio. As cédulas de dinheiro. Iluminar a rua da noite com velas nucleares. Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas. Essa gente não agüenta um curto circuito. Explodir a massa consumidora pra salvar a carne viva que está congelada na geladeira. Vomitei graxa. Consumo sumo. As coisas que fabricamos tem sentimento. Nós produtores estamos dormentes. Vivo com esta cabeça de plástico nu dentro da roupa. Sonho explodir a realidade. Vidros de remédio. Canos. Cabos. Do tudo, todas as partes. Todas as pontas são meladas de cuspe. De maneira bem lenta as coisas são colocadas no ânus. A pia geme de orgasmo recebendo os jatos de água que saem da torneira entrando no ralo.
As coisas que fabricamos nos consomem. Somem... 

SÓSCREVO,
Márcio Santana

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