sexta-feira, 29 de março de 2013

SOMBRAS NO TRAPÉZIO



I – O REGRESSO

O pub nojentinho tinha um aspecto mais degradante do que os outros dias; do que a última vez que eu botara meus pés ali naquele bar da Lobo D’Almada. Todos se portavam e bebiam massacradamente como se algum mal, uma praga, uma peste bubônica ou sei lá o quê, houvesse atingido em cheio o lugar e todas aquelas criaturas ali. Até o quadro de Nossa Senhora, que ainda teimosamente permanecia presa à parede, sorria com certa indulgência. O ar não funcionava e fazia um calor escroto. Havia também aquele cheiro de queijo rançoso misturado ao suor brutal daquela gente. Um bartender (uma espécie de leão de chácara) me serviu uma cerveja e lembrou-me que eu tinha que pagar adiantado. Pelo menos eles não haviam aumentado o preço da cerveja, o que me deixou mais contente. Mas havia algo de muito sombrio pairando por ali. “Não sei por que raios tenho sempre que parar aqui. Não há nada de atrativo nessa merda de lugar!” Resmunguei dando um gole na bebida. De repente, uma puta com uma feiura medonha arrastou-se como uma aranha da outra ponta do balcão e veio sentar-se bem ao meu lado. Trazia consigo um copo de plástico vazio e disse:
“Enche meu copo, bebê! Ele anda vazio como a minha vida.” Disse assim mesmo, abrindo um sorriso demente. Sua boca era uma fenda negra sem dentes. Ficou ali me olhando um tempão e depois perguntou:
“Veio atrás de Sônia, não foi?”
“Hein?”
“Veio, sei que veio. Todos aqui vêm atrás de Sônia. É ela que dá sentido ao lugar. Tem cigarro?” Atirei o Macbeth amarrotado sobre o balcão. Empregado àquela altura da vida dava-me ao luxo de fumar cigarros caros.
“Macbeth? Hummmm chic, hein?” Ela pegou um e tragou sem arredar de mim aqueles olhos fundos e monstruosos.
“Então, bebê? Veio ou não veio atrás de Sônia?”
“Não sei de quem se trata, senhorita. Entrei aqui só para tomar uma cerveja em paz, só isso.”
“É o que todos dizem. Mas na verdade todos vêm mesmo atrás de Sônia. Olhe só pra eles! É de causar pena.” Olhei e o que vi era mesmo desolador. Os bebuns tinham olhos fundos e esbugalhados como se quisessem pular fora das suas órbitas. Alguns deles não conseguiam sequer segurar direito seus copos de plásticos transparentes porque as mãos tremiam muito. Um SURTO-DELIRIUM-TREMENS-COLETIVO, era o que eu via, mas não impulsionado pela bebedeira, mas por uma outra razão: a ausência de Sônia.  Era o que mais tarde eu viria entender.
“Estão nesse estado desde ontem, a espera de Sônia. Mas o que eles não sabem é que Sônia não vem. Nem hoje e nem amanhã. Enche mais um pouco meu copo, bebê?” Obedeci. “E sabes por que ela não vem?” Continuou, me olhando com seus olhos fundos e sorrindo com sua boca de abismo.
“Sabe por quê?”
“Não, não sei senhorita.”
“Por que Sônia foi presa quando desembarcava no porto. Eu estava lá e vi tudo. Também esperava por ela. Mas ela foi interceptada. IN-TER-CEP-TA-DA!! Coisa triste de se ver.”
“E por que prenderam esta tal de Sônia?” Aventurei-me em perguntar já começando a achar aquilo um pouco interessante.
“Porque alguém cantou as pedras do jogo e a casa caiu, moço! Quase uma tonelada. Daria pra abastecer por um ano esse lugar e todas essas almas fodidas.” Aí a porta do pub se abriu e entraram dois policiais baixos e taciturnos; meteram-se lá pros fundos, voltando em seguida com uma tristeza redobrada. Ela disse:
“Entram e saem atrás do dinheiro de Sônia, esses dois infelizes aí.”
“Todos parecem sentir mesmo a necessidade de Sônia.” Fui embarcando naquela viagem.
“Sônia é Deus, moço. Misericórdia!”
Apossou-se de minha cerveja e foi enchendo seu copo. Deu uma golada nele e o despejou com violência sobre o balcão. Já estava bêbada.
“Mas o que eles não sabem moço – prosseguiu ela – é que eu posso arranjar um pouco de Sônia pra eles. Sou a única aqui que posso.”
“Mesmo?”
“Mesmo. E aí? Interessado?”
“Não, não estou.”
Pedi outra cerveja. Depois de um tempo, ela tornou outra vez:
“É uma pena, porque essa Sônia que trago comigo também é da boa. Tenho uma ‘cabecinha’ dela aqui, vai?”
“Não estou interessado em sua Sônia, aliás, em Sônia alguma.”
Então ela calou-se um instante. Olhei casualmente pra santa, e como ocorre nesses meus momentos de ócio, divaguei: Não obstante seu olhar penalizante de mãe, tendo em vista as circunstancias ocasionada pela ausência de Sônia e, sobretudo pelo lugar, Nossa Senhora, se vocês prestarem bem atenção nela, possui características que se assemelham muito a uma outra santa: A Gioconda, de da Vinci. Pelo menos sob o aspecto estético facial, como por exemplo, seu sorriso doce e acolhedor, ao mesmo tempo, que cínico, sedutor, introspectivo e maternal. Somado ainda a aura enigmática que envolve tanto uma quanto a outra. Nossa Senhora e Gioconda: a certeza de uma não anula a existência da outra.  Ambas existiram de fato em algum período da história. E aqui me refiro tanto no plano material quanto no plano espiritual. Creio nos dois processos. Como creio em santos e demônios. Santos e demônios? Então você pergunta daí, em que você fundamenta sua crença? E eu respondo daqui, crendo no que não é certo. Me afirmo na incerteza da minha crença. Paradoxal? Até pode ser. Sou um homem deste século e este é afinal o século das incertezas ABSOLUTAS que porventura irá sedimentar a fé e mover o universo. Portanto, a dúvida gera a crença. A certeza, a descrença. Não há nada de novo, eu suponho, no que não estou afirmando, outros filósofos talvez já tenham esboçado essa teoria. Não quero aqui me comparar a eles, mas partir da observação dessas duas figuras maternas para chegar à esfera de Deus. Sendo assim, eu afirmo que a minha descrença NELE é óbvia. Assim como a minha crença na civilização. Sob esse ângulo inversamente proporcional, cito Niestche, o qual tolamente matou Deus. Matou algo em que ele acreditava consubstancialmente achando que, ao sobrepujar a fé do homem este chegaria à verdade suprema.  Este é o ponto. Não, não, este não é ponto. Não existe ponto algum. (Ahh, isso renderia uma noite inteira na companhia daquele meu amigo filósofo dos quadrinhos, o da Reinvenção da Pólvora e das Crônicas de Aluguel), mas ele infelizmente não está aqui. Mas quem está aqui? Não levem isso a sério! São meras divagações. Sei que ainda brinco na superfície das ideias, e de algum modo, não alcancei o grau apreciável da emancipação, postulado por Miller em sua ‘Crucificação Encarnada.’ Não entendeu coisa alguma, não é leitor? Pois eu também não. Seguimos? 

II -    DIVAGAÇÕES

Olhei para o lado e a puta não estava mais ali. Cocei prazerosamente as entranhas dos meus ouvidos e cheirei a cera. Adoro cheirar cera de ouvido quando ninguém está olhando. É um prazer indescritível e faz-me sentir organicamente vivo. Escritores têm lá suas manias. Gutierrez, o escritor cubano, por exemplo, só consegue atingir a plenitude do orgasmo cheirando as axilas. Genet tinha uma queda violenta por meias sujas e pelo odor azedo que fica entre os dedos dos pés. Rabelais sofria de abulomania, o Marques de Sade, de cheirar as próprias flatulências. Sem citar outros tantos. Portanto, meus queridos, o meu não é de todo estranho assim. Já cheirou cera de ouvido? Vamos, experimente leitor, agora que ninguém está olhando pra você, vamos, coragem, leve o indicador até o ouvido direito ( é o meu preferido) e agora gire o dedo lá dentro bem devagar, iiissooo, assim, bem fundo, gire, gire, feche os olhos e vá girando girando sem pensar em nada, agora leve o dedo até o seu nariz e sinta só o prazer indescritível da cera entorpecendo, isso, muito bem. Que sensação, não é leitor? Mais há ainda quem prefira cheirar o sebo que fica em volta da base circular do pênis... Mas vamos voltar ao conto? Onde paramos?

III – A VIDA É UM GRANDE COCOZÃO FAZENDO PA DE DEUX EM UMA LATRINA CHEIA DE MERDA.
Sim. A porta do Pub entreabriu-se novamente e Gerusa foi quem dessa vez entrou vestindo seu costumeiro traje negro. Parecia mais magra, abatida, um ar satânico; a pele branca europeizante desbotara um pouco. Tinha os olhos lânguidos, caídos de bêbada, porém ainda verdes, um verde-lodo. Apesar do sorriso, parecia de algum modo arruinada por dentro. Arrastava-se pela noite de Manaus como um fantasma europeu. Corria boatos que ela não largara o satanismo, apenas havia entrado para uma nova irmandade. Fora por muito tempo companheira do Garoto. (o nosso velho Dean Moriarty amazonense - aquele aspirante a escritor que falei bem lá atrás, lembram? Ah, não foi aqui, foi em outro conto, esqueçam!) Bom, tiveram um affair diabolizante regado á bebedeiras e drogas pesadas que quase levaram os dois à morte debaixo dos viadutos da Grande São Paulo, quando por lá estiveram naquele ano de 2002. Notou-me e veio ao meu encontro:
“Oi Mário! Sabia que ia te encontrar aqui!” Sua voz rouca e arrastada era quase um sussurro. Olhando bem pra ela, não conseguia imaginar o quanto ela fora bonita no passado. E quanto ela ainda conservava um pouco disso. Mas estava acabada. Lembrava-me uma canção triste e soluçante de jazz do tipo “A FOOGY DAY” Da Billie Holliday.   
 “Oi Gerusa.”
“Chateado comigo não, né?”
“Por que haveria de estar?”
“Estava muito bêbada da ultima vez.” Referia-se a um episódio desconcertante de alguns meses atrás naquele pub que aqui não vale mencionar.
“Me dá um pouco da tua cerveja?” Pedi um copo do bartender e servi-lhe a cerveja. Na certa estava ali para uma audiência com Sônia. Pedir-me-ia alguns trocados para a intera e perguntaria sobre o Garoto. Sabia de cor seu itinerário e de suas investidas:
“Empresta-me dois reais, Mário?” Emprestei-lhe os dois reais. Mais uma que daria com os burros n´água.
“E Miguel? Continua escrevendo?” Perguntou acendendo seu cigarro. Suas mãos engelhadas lembravam as patas de uma tartaruga.
“Sim. Terminou seu livro: “Saltos Ornamentais no Escuro.”
“Mas não se chamava “Porca Prenha?”
“Ele mudou o título. Disse que estava desgastante.”
“Miguel é louco.”
“Todos nós somos.” Rimos.
“E você? O que anda escrevendo?”
“Finalmente vou publicar “O Homem com uma Abertura na Testa”. É uma novela. E estou escrevendo um outro livro. Um de contos. Ainda não tenho o título”.
“Por que não escreve sobre a minha vida? Tenho uma vida muito louca.”
“Quem sabe um dia não escrevo algo sobre você. Sobre o Miguel.” Ela ficou calada um pouco e depois disse:
“Fui jubilada, Mário. Dessa vez foi pra valer.”
“Acho que também serei jubilado. Um brinde a nossa jubilação.” Propus.
“Engraçado. Nunca passei pela dor da jubilação. Nunca imaginei. Acho que até merecia.
“E será que existe alguma dor? Talvez seja até um alívio”.
“É, talvez seja mesmo. Ficou sabendo da minha aparição na televisão? No programa daqueles irmãos otários?”
“Não, não fiquei.” 
“Ainda bem.” Risos dela.
“O que houve?” Virei-me pra ela. Ainda possuía os lábios vermelhos e carnudos. Gerusa era sem dúvida uma mistura exótica do europeu com o caboclo.
“Foi numa dessas madrugadas. Fui fumar um com um figura num desses casarões abandonados na Joaquim Nabuco, já ali bem pra perto da Igreja dos Remédios. Nem bem havíamos fumado o terceiro quando a policia chegou e invadiu o lugar. O figura que estava comigo conseguiu se safar, enquanto que eu fiquei lá, acuada, chapadona, sem poder mexer minhas pernas. Um deles meteu uma luz forte na minha cara. Eram da televisão. Porra é foda! Uma sensação escrota. Fizeram eu falar até o que eu não sabia. Não sabia se ria ou se chorava.
“Mas isto é uma sacanagem. Violação de imagem é inconstitucional.”
“E o que não é inconstitucional nesse país?” Tomei uma golada considerada da minha cerveja, cocei minhas têmporas e disse: “São uns filhas das putas!”
“São sim, Mário. Eles montam o circo e você dança.”
 “A vida é um circo...”
“A vida é um grande cocozão fazendo Pa de Deux numa latrina cheia de merda. É isso que a vida é.” Desabafou de maneira brilhante. Refleti sobre o que ela disse.
“E como acabou esse circo?”
“Fiquei detida a madrugada toda. Lá pelas sete da manhã, me liberaram.”

IV - PIEDADE
Gerusa ainda ficou ali bebendo um tempo comigo e depois foi fazer sua missão, desaparecendo nos intestinos do bar. Aproveitei a ocasião e fui ao banheiro. Atravessei um corredor estreito e penumbroso, cercado de quartinhos vagabundos de ambos os lados. Um deles estava aberto e eu olhei de relance para dentro dele: um cara chupava o pau do outro cara em troca de um pouco de Sônia. Desviei meus olhos enojado. Do lado de fora, ao longo do corredor haviam umas mesinhas coladas à parede onde algumas poucas almas bebiam solitariamente com seus rostos afogados de fissura e desespero. No banheiro urinei como um príncipe, sem aporrinhações, na volta, porém, senti uma mão fria e pontiaguda me puxar violentamente para dentro do quarto. Olhei e era a boca do abismo. Passou a tranca na porta, sorriu para mim e me presenteou o pó. Não tive alternativa. Senti-me tentado. Dei uma cafungada de um lado do nariz e depois do outro e novamente aquela sensação estranha e prazerosa de estrelas explodindo; o pó aos pouquinhos se dissolvendo corrosivamente dentro do meu corpo e da minha mente. Sentei vertiginosamente à beira da cama e sorrindo abestalhado, olhei para a boca do abismo. Ela chupava o meu pau enquanto me dizia: “Meu filho, a vida é um trapézio!” Meu pau entrando e saindo de dentro de sua boca lisa.  Era como se eu fodesse mesmo um imenso buraco negro e vazio. Agarrei-lhe com força seus cabelos desgrenhados e disse-lhe:
“Como é teu nome, sua puta velha do caralho?”
“Piedade”. Houve então uma batida forte na porta, seguida de outra mais forte ainda que me fez saltar da cama. Na terceira, a porta abriu-se na marra e um gorilão mal encarado invadiu o quarto e foi cobrindo a mulher com tapas e pescoções. Ele estava atrás de Sônia e estava furioso:
“Sua filha da puta! Sua vadia!” Ele esmurrava pra valer a boca dela. O último dente dela pulou. Entendi porque sua boca era um abismo negro. Escapuli dali antes que sobrasse pra mim. Lá fora, tudo parecia normal. De volta ao balcão, ainda muito nervoso, as mãos tremendo, tomei a última cerveja, olhei pra Santa pendurada na parede, paguei a cerveja e cai fora daquele pub nojentinho. Lá fora, olhei a rua deserta. Àquela hora da noite, já não tinha tanta certeza para aonde ir...

sábado, 16 de março de 2013

COMO EXPLODIR CAIXAS ELETRÔNICOS

Ah, meu velho, tua fórmula continua seca. Direta. Um soco no estômago de quem vacila. Vômito de um bêbado liquidado. Vísceras de amoras. Diarréia de palavras polifônicas. E algo mais de visceral e verdadeiro. Assim defino, Como Explodir Caixas Eletrônicos, teu mais recente trabalho.  Tu que também escrevestes o Sindicato dos Inválidos e o livro de Tanatos quando ainda moravas nos porões do Chalé, da Sete de Setembro. Pois o plano é este, riscado no papel que está no prato pronto para ser digerido. A colher sai e entra na boca, nesse círculo vicioso das tragédias humanas. Como é gostoso comer as coisas em pedaços... Pois esqueçamos por um instante o deleite estético. Tuas palavras nos são servidas realisticamente em pratos duros de hospícios.  A beleza está na feiúra! Na fome! Na loucura da verdade dita! Tua obra trata, com efeito, demonstrar dolorosamente a realidade das coisas. As palavras brigam raivosas e famintas dentro delas mesmas, antropofagicamente.  Explodem-se tornando-se fagulhas líricas em céus de intestinos delgados. Bombons-bombas. Bananas de dinamites: “Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas.” Há qualquer coisa de anarco-surrealista- bretoniano em tuas palavras desuniformizadas que reivindicam a ruptura com o sistema vigente, econômico, político, social, moral. Sombriamente lanço-me de volta ao pensamento de um anarquista francês que sintetizo em poucas linhas: “Alhures, pode-se então, perguntar-se com certa inquietação o que nos reserva um mundo onde inúmeras relações cegas são estabelecidas. Por exemplo, entre o homem e o objeto não realmente desejado, escolhido, trabalhado, interpõem-se a máquina estacando a emoção. As formas tornadas anônimas são projetadas por um gesto automático que, excluindo toda intervenção, assepsia o ambiente até o vazio absoluto.  Ainda que não tenha se apercebido desse pequenos detalhe analogicamente observados por mim – Como Explodir Caixas Eletrônicos  toca sensivelmente nesta questão que é pluriuniversalmente atual. Daí a importância e grandeza da tua obra.
Como Explodir Caixas Eletrônicos, é um opúsculo de 04 páginas somente, mas que o leitor o lerá de um arroto só, e que certamente o fará repensar esse mundo atual e decadente e desumano em que vivemos.
Eis um trecho que colhi:
(...) “A bateria do homem tá fraca. Comemos manteiga de breu com pão de borracha.         Na mesa, o plano: como explodir caixas eletrônicos. Mordo o papel. A coisa lambe o  plástico. O fio de tênia se rompe no intestino delgado. A língua solitária lambe o vazio. As cédulas de dinheiro. Iluminar a rua da noite com velas nucleares. Explodindo as máquinas, explode-se as pessoas. Essa gente não agüenta um curto circuito. Explodir a massa consumidora pra salvar a carne viva que está congelada na geladeira. Vomitei graxa. Consumo sumo. As coisas que fabricamos tem sentimento. Nós produtores estamos dormentes. Vivo com esta cabeça de plástico nu dentro da roupa. Sonho explodir a realidade. Vidros de remédio. Canos. Cabos. Do tudo, todas as partes. Todas as pontas são meladas de cuspe. De maneira bem lenta as coisas são colocadas no ânus. A pia geme de orgasmo recebendo os jatos de água que saem da torneira entrando no ralo.
As coisas que fabricamos nos consomem. Somem... 

SÓSCREVO,
Márcio Santana

sexta-feira, 1 de março de 2013

no escurinho do cinema mascando chicletes e assistindo a um fime "B"



PARTE III -    

      plano dos protagonistas:

     FraNZ e o Cu descendo uma das avenidas principais da cidade. Ainda comecinho de noite.
                                                                  CORTA PARA FRANZ
     “Manaus é uma cidade estéril e tetraplégica. Uma cidade sem clitóris.”
                                                                                  (ponto de vista de FraNZ)
                                                              CORTA PARA O CU
   OlHANDO OS PRÉDIOS MANCOS E ANÕES: “as pessoas dormem protegidas em suas caixinhas de ilusões. Mal cabem elas em suas próprias doenças.”
                                                         OUTRO PLANO
  Uma lua estarrecida esconde-se por trás de um prédio manco. Chove de estrelinhas no céu.
  O curioso de tudo senhores é a passagem de FraNZ e Barros de Alencar. e Silva frente ao bar de sua Orixá Babaluêtê, que naquele início de sexta feira já encontrava-se lotadinho de roqueiros reacionários e estúpidos, de viciadinhos de plantão e também dos espiões infiltrados da PRP (Patrulha Rastreadora do Pó). A passagem deles não poderia ocasionar senão um grande estardalhaço, havendo vaias, aplausos e comentários diversos. Os gritos de ordem eram do tipo ASPAS AÍÍÍ FRANZ, VAI FUNDO FRANZ, UHUUUU!!
Já os demais comentavam horrorizados NOVAMENTE ASPAS AH NÃO, FRANZ ENLOUQUECEU DE VEZ  FECHA ASPAS
    As vaias narcotizadas vinham dos carinhas do pó, partidários do Cão. (este – é bom lembrar – não se achava naquele momento no bar, pois que se encontrava em estado de convalescência na FAZENDA ESPERANÇA, lugar para aonde eram enviados aqueles que sofriam sobrecarga de cocaína peruana e demais entorpecentes hidropônicos.)
agora um close num casal de seminaristas gays  – ISSO, FECHEM BEM NELES -   que por ali bebiam e que pouco se lixavam para a passagem do Cu e de FraNZ  naquela avenida agitada e não obstante discutiam uma  questão teológica não tão menos importante:
    “é verdade que sua Orixá é Gaga?”
   “terrivelmente gaga, é o que dizem...” 
  “ pois bem. Moisés o carinha lá que foi escolhido pra falar as palavras de Deus também era Gago e portanto teve que chamar um estrangeiro pagão, o tal de Aarão, que falava ao povo por ele, assim Deus falava ao Moisés - o profeta Gago - que transmitia o recado para o Aarão – AARÃO (repare os dois “AAs” prova da gagueira insuportável de  Moisés porque Aarão era escrito apenas com um A). Este cara, o Aarão, foi o responsável em levar o recado para o povo incrédulo hebreu, escravos do Egito e que mais tarde tornaram-se  fruto da gagueira de Moisés...”
eis um breve e belíssimo tratado exodiano, mas agora, voltemos ao Cu e a FraNZ, por favor.
O CU
   “Não dê importância para o que eles dizem FraNZ, querrido, são uns pobres de alma.”
   Mas para ser franco, o que incomodaria mesmo FraNZ, não seriam as vaias, tampouco os comentários  ou as palavras falsamente encorajantes, mas OBLADI OBLADÁ que algum filhadaputa havia colocado na Juke Box, o que levou FraNZ a pensar bem ALTO que nada na vida poderia ser pior do que ouvir OBLADI OBLADÁ que ele tanto detestava desde sua infância pobre e escrota no beiradão de Educandos.
 
 
FRANZ
    “Merda!! Ouço OBLADI OBLADÁ desde a porra da minha infância pobre e escrota.”
O CU
   “Entendo. No meu caso é My Way. O velhinho tinha uma coleção inteira do Frank Sinatra. Ouvi My Way quase minha vida inteira. Aos domingos, depois da missa, eu era obrigado a ouvir My Way o dia inteiro; sem esquecer os feriados. Você não sabe o que é ouvir My Way a metade de sua vida, FraNZ querrido, você não sabe.”

FRANZ
   “E você não sabe o que é ouvir OBLADI OBLADÁ desde criança quando o ranho ainda escorre pelo nariz, sem desconsiderar as dedadas que tinha que levar dos garotos mais velhos e por eles ser enrabado nos porões das casas, no matinho, dentro dos tubos de esgotos e camburões de ferro. Tudo ao som de OBLADI OBLADÁ que eu sempre ouvia tocar ao longe e que detesto.”
O CU CURIOSAMENTE
   “Mas FraNZ, querrido, você não gostava?”
FRANZ OLHANDO AGORA PARA UM PRÉDIO SINISTRO E MANCO
   “Em algumas ocasiões, sim. Em outras, não. Houve uma ocasião em que fui submetido a uma sutura. O cara se chamava Tadinha , o TRÊS PERNAS, irmão mais novo do Zé Bigorna.”
O CU PENSATIVO OLHANDO PARA O MESMO PRÉDIO IDIOTA E MANCO
“”Nossa, FraNZ querrido, sinto muitíssimo. A sua dor é deliberadamente maior que a minha. Queira eu nunca passar por isso.”
FRANZ
   “Nunca aceite hortelãs de homens magros em salinhas escuras de cinema pornô.”
O CU ARQUEANDO AS SOMBRANCELHAS
   “Por que FraNZ, querrido?”

FRANZ
  “Homens magros nos atravessam e nos deixam em carne viva.”
FRANZ E O CU CHEGAM FINALMENTE Á ZONA PORTUÁRIA onde ficam um tempão olhando com desconfiança para os letreiros de neon piscante do CARALHO VOADOR. Era como se chamava o tal lugar. Aquele lugar era novidade para FraNZ que confessou ao Cu nunca ter estado ali antes. Cogitaram tratar-se de uma boate gay, no que o Cu aprovou a entrada deles sem pestanejar.

CORTA PARA UM CRIOULÃO VESTIDO DE CARALHO COM ASAS E QUE FAZIA ÁS VEZES DE SEGURANÇA DO TAL LUGAR.

CRIOULÃO IMPACIENTE COM AS MÃOS NA CINTURA
  “Vão entrar ou não, meninos?”
  “Sim, vamos!”
 “Antes de entrarem, não esqueçam de suas pastilhas lisérgicas.” O Crioulão deu a cada um deles uma bala cristalizante E O GROSSO DA VIAGEM ENTÃO COMEÇA

INTERNA DO CARALHO

UMA CONSTELAÇÃO DE ANÕES CARALHUDOS DO ATACADISTA DAS FLORES, LEVANTADORES DE CAIXOTES DA HAMBURG & SUD, VENDEDORES DE PILHAS RAYO-VAC – AS AMARELINHAS, MARINHEIROS FILIPINOS SIFILÍTICOS DO QUEEN ELIZABETH V, PUNHETEIROS DA GUATEMALA, TRAVECOS SUTURADOS, LÉSBICAS PENTELHUDAS DA COSTA DO MARFIM COM SEUS CARALHOS NEGROS ACOPLADOS EM SUAS CINTURAS, PADRES DISFARÇADOS DE FUNCIONÁRIOS DA DEFESA CIVIL, TIRIRICAS ( E ELES ESTÃO  SE ESPALHANDO, JÁ CHEGARAM NO CONGRESSO NACIONAL) TRAFICANTES DE ÓRGÃOS GENITAIS (UM DELES NEGOCIANDO UMA VAGINA DE QUINZE ANOS DENTRO DE UMA CAIXINHA DE BOMBONS SONHO DE VALSA) ESPIÕES DA PRP SE DIVERTINDO PRA VALER COM BAGULHOS APREENDIDOS, INDIOS HOMOSSEXUAIS DA RESERVA DOS ARUAKAS ( E ELES SÃO TÃO TALUDINHOS) JESUS CRISTINHOS CHEIRADORES DE THINNER, ADVOGADOS GORDOS SEM UMA CAUSA GANHA, PUTAS VELHAS E REZADEIRAS, ESTUDANTES DE FILOSOFIAS CHUPADORES DE CARALHOS NO BANHEIRO, UMA VIOLOCENISTA HÚNGARA COMPULSIVA-SEXUAL DA COMPANHIA DE ÓPERA DE MANAUS (ELA PENSA QUE SE ESCONDE) GARIS DESEMPREGADOS COM PLANOS DE MATAR O PREFEITO, PUNKS DANÇARINOS DE XAXADO, OS MUDINHOS PEGADORES DA EXTINTA PRAÇA OSWALDO CRUZ E OUTROS TANTOS QUE MIGRARAM DA PRAÇA DA SAUDADE DEPOIS DA ULTIMA REFORMA, UM ESCAFANDRISTA DO INICIO DO SÉCULO XX, OS TRABALHADORES DA PONTE QUE LIGARÁ MANAUS Á IRANDUBA (ESSES MAIS PRA FRENTE TERÃO UM CAPITULO Á PARTE NESSA POCILGA NOVELESCA, EU PROMETO, MAS SE NÃO ROLAR, FODA-SE) O PASTELEIRO DE UMA CRÔNICA ENGAVETADA QUE PRESSUMO NUNCA MAIS SAIR DO PAPEL, E É CLARO, UM SUJEITO COM A CARA PINTADA DE CARLITOS ACOMPANHADO DE UM CU CHAMADO BARROS DE ALENCAR. e SILVA, E CATSO! ISSO AQUI JÁ ESTÁ PASSANDO DOS LIMITES FRANZ, VOCE NÃO ACHA?
___________________ _____________________________FraNZpensou cinicamente que NÃO coçando um dos bagos que escapulia discretamente pela lateral da calcinha que ele usava e que um dia pertencera a sua esposa e que FraNZ sempre sonhara em usar, mas foi preciso esperar que ela morresse parindo coelhos para que ele finalmente se apropriasse da pecinha delicada cor de limão que lhe caía tão suavemente doce ocasionando-lhe orgasmos monumentais quando ele rebolava ás escondidas pelas ruas ocas e pouco movimentadas de sua cidadezinha apoplética, UI FRANZ SEU DESAVERGONHADO IMPOSTOR  PERVERTIDO QUANDO VAIS SE EMENDAR GERENCIAR ESSA LOUCURA TODA OLHA A COERÊNCIA FRANZZZ ATÉ MESMO NA LOUCURA HÁ CERTA COERENCIA NÃO É MESMO MAS SABE FRANZ VOCÊ NO FUNDO PARECE TER RAZÃO NO QUE PENSA E FAZ CONSIDERANDO QUE ESTE SEU PEQUENOMUNDINHO É REPLETO DE FILHAS DAS PUTAS MORALISTAS COMO ESTE CARA AÍ QUE NESSE INSTANTE ESTÁ LENDO O QUE VOCÊ ESCREVEU TODOS FINGEM A TUA VOLTA E SEMPRE FINGIRÃO PORQUE SÃO UNS MORALISTAS E PORTANTO CONDENARÃO VOCE E A SUA ESCRITA VOCÊ ME DESCULPA O DESABAFO SEM PONTUAÇÃO MAS FOI VOCÊ QUE COMEÇOU ESSA PORRALOUQUICETODA FRANZ E NÃO QUERO SOBREMANEIRA ESTRAGAR ESTE TEU MOMENTO TÃO PRECIOSO MAS É QUE EU PRECISAVA DIZER-LHES ESTAS COISAS INSALUTARES SABE MEU QUERIDO NÃO ACREDITE NUNCA NAS PESSOAS QUE VOCÊ ACOLHE FRATERNALMENTE EM SUA CASA E SE SENTAM BEM AO SEU LADO NO SOFÁ VERMELHO DA SALA OU EM QUALQUER OUTRA PORRA DE LUGAR PARA LEREM SUAS COISAS E DIZEREM INSTANTANEAMENTE A VOCÊ PALAVRAS ENCORAJANTES DO TIPO FRANZ MEU AMIGO ISSO AQUI É MARAVILHOSAMENTEXPERIMENTALDEMAIS PORQUE NA VERDADE ELAS QUEREM VER A SUA CAVEIRA FRANZ E NÃO PENSE VOCÊ QUE ESTOU TENTANDO PERSUADÍ-LO A TORNAR-SE UM ESCRITOR PARANÓICO QUERO APENAS QUE ABRA BEM OS OLHOS PORQUE OS OLHOS AINDA SÃO  JANELAS ABERTAS QUE NOS PERMITEM VER A TRAPAÇA DOS OUTROS SEM DESCONSIDERAR QUE VOCÊ ESTÁ SOZINHO TEM AGORA QUARENTA E UM VIVE NUMA CIDADEZINHA ESCROTA E ATRASADA, (o que faz a porra dessa virgula aíi?) E ALÉM DE TUDO NINGUÉM MAIS AQUI ACREDITA EM VOCÊ A NÃO SER VOCÊ MESMO SUA MÃE QUE FOI ABDUZIDA E TAMBÉM SIDALVA QUE PARIA COELHOS E AH CA-RA-LHO A PUTA DE 03 SEIOS ELA VEM VINDO REBOLANDO NA SUA DIREÇÃO AO SOM DE UM  BATESTACA TESTOSTERONIZADO CONVEM PRUDENCIA LIMITES NÃO SE DEVE ACREDITAR EM TUDO QUE OS OLHOS VÊEM OS OLHOS TAMBÉM COSTUMAM MENTIR MERDA FRANZ ACHO QUE NO FUNDO VOCÊ NÃO VAI CONSEGUIR NÃO LHE RESTARÁ FÔLEGO ATÉ O FIM DISSOTUDO NÃO QUE EU ESTEJA LHE DESENCORAJANDO JAMAIS NÃO SOU UM ESPÍRITO OBSESSOR DESSES QUE VIVEM AGARRADO NAS PERNAS DA GENTE E A GENTE TEM QUE ARRASTAR O INFELIZ AONDE QUER QUE VAMOS IIIISOOO EXATAMENTE COMO NOS QUADRINHOS DE ECUMÊNICOS QUE APARECERÁ LOGO MAIS TARDE AGORA SE QUISERES SEGUIR EM FRENTE SIGA VOCE MESMO  C0NFESSE NÃO ACREDITAVA QUE PUDESSE CHEGAR ATÉ AQUI NÃO É MESMO ESTÁ AGORA AÍ SENTADO PENSANDO NA FRASE SEGUINTE MAS NÃO EXISTIRÁ FRASE SEGUINTE JÁ PENSOU ONDE VOCÊ SE METEU E COMO VAI SAIR DESSA AINDA HÁ O PROBLEMA DO CACHORRO QUE PRECISAS RESOLVER  E AGORA EU TE PERGUNTO PORTANTO COMO FARÁ PARA UNIR O CU E O CÃO?